Exceção à regra

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Durante toda a minha vida, vivi à sombra da grandiosidade de Thor, tendo que me contentar com as sobras de uma família que, embora eu não imaginasse na época, não era minha.

Por mais que Frigga tenha sido uma verdadeira mãe e feito o possível para que eu me sentisse acolhido e amado, a verdade é que nunca me encaixei neste mundo. Sempre tive a sensação de que me faltava algo. Algo que me daria a sensação inversa. Algo que me faria pleno e completo, acalentando o vazio sombrio que crescia dentro de mim.

Por muito tempo, acreditei que ascender ao trono de Asgard era a resposta para esse vazio. Depois, que dominar Midgard e reinar sobre suas criaturas primitivas seria a solução. Nunca admitirei isso em voz alta, mas, nas duas ocasiões, eu não podia estar mais equivocado.

Sei disso agora porque, pela primeira vez em minha vida, experimento a plenitude e me sinto completo de verdade. Porque, pela primeira vez, tenho algo meu. Não as sobras, não os restos, não as sombras, mas algo genuinamente e apenas meu. Pela primeira vez em minha conturbada existência, sei exatamente qual é o meu lugar neste mundo e em qualquer outro.

É com essa certeza que observo o tormento dormindo em minha alcova, depois de desmaiar mais uma vez.

Pobrezinha... Não aguentou a emoção de descobrir que está carregando meu legado. Totalmente compreensível. Eu mesmo fiquei chocado e um tanto incrédulo quando recebi a notícia. No fundo, ainda estou assimilando o seu significado. Isso é novo para mim. Dê-me um inimigo, e eu lidarei com o infeliz de bom grado. Mas filhos? Crianças? Este é um território desconhecido que nunca esperei desbravar.

Mas, apesar de não ter imaginado que algo assim viria a acontecer comigo, logo o choque deu lugar a uma satisfação intensa que os sentimentalistas chamam de felicidade.

Saboreando essa sensação, sorrio de um jeito discreto e permito que meus dedos deslizem suavemente do rosto ainda pálido de Olivia até uma de suas mãos, que repousa sobre seu ventre repleto de mim.

Quando ela suspira de forma sonora e se mexe um pouco em meio aos lençóis, afasto-me categoricamente e endireito a postura. Instantes depois, Olivia abre os olhos. Logo, encontra os meus. Não demora muito e faz menção de se levantar.

— Não faça isso — alerto firme, e ela se detém. Com deboche, aconselho: — Antes que você desmaie de novo, é melhor permanecer onde e como está. Poupe-me do trabalho desta vez, tormento.

A criatura não diz uma palavra pelos instantes que se seguem. Confesso que uma parte de mim começa a estranhar isso e se sente desconfortável com a ausência de reação.

Uma longa pausa se arrasta.

Depois de se ajeitar, ficando com as costas apoiadas na cabeceira, ela limpa a garganta e, finalmente, rompe o pesado silêncio:

— Então é mesmo verdade? Eu estou... buchuda? De gêmeos?

Seu tom me desagrada. Não entendo por que a midgardiana diante de mim não está radiante com essa descoberta. Ela deveria se sentir honrada por carregar minha herança, aliás. Seu choque já deveria ter passado ou, ao menos, diminuído o suficiente para que Olivia esboçasse um mínimo sorriso. Porém, não é o que observo em seu semblante agora.

Incomodado, ouço-me respondendo com um indisfarçável tom crítico:

— Folgo em saber que, por fim, você compreendeu. Sua expressão de felicidade é algo tocante, devo dizer.

— Ei! — Ela protesta, e então expõe um tanto hesitante: — Eu estou feliz, só que também estou... assustada. É uma novidade e tanto para absorver, convenhamos. Algo que muda tudo, que muda coisas que eu... Sei lá, que eu preferia que não mudassem e que talvez você também não queira, certo? Algo que levanta uma série de perguntas que eu não pensei em responder tão cedo, e que não quero que você se sinta pressionado a responder também.

Trapaças do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora