QUATRO

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Thiago Gonçalves

Ela está na minha casa. Não precisei nem me esforçar pra saber disso, eu apenas liguei pra mim mãe e fui bombardiado com as informações dela.

E isso se seguiu pelos últimos dois dias.

Eu já sei que ela não tem mais onde ficar além da casa dos meus pais. Ela não tem mais nada além do carro velho que precisa ser jogado no lixo, ela não tem mais ninguém além da minha família.

Eu sempre vi a Júlia como a pessoa mais forte do mundo. Sempre a vi como a incomparável, a imbatível e eu não estava errado de pensar nela assim. Eu sei que ela lutou com unhas e dentes por tudo que ela tem ou teve. O relatório do investigador particular brilhando na tela do meu computador me diz isso.

Eu tenho centenas de fotos dela agora. Quando eu era mais novo também tinha, mas me desfiz delas quando percebi que eu era só um idiota apaixonado.

Lina sempre me disse que isso era coisa de perseguidor e eu não sou um perseguidor, eu sou um homem apaixonado. Não sei se há muitas diferenças, mas espero que sim.

— Você fica olhando esse computador o dia inteiro agora, Thiago. - eu não levanto meus olhos da tela — Você tem uma exposição em menos de um mês e não fez nem a metade do que prometeu fazer.

— Você sabe muito bem que eu vou fazer. - eu dou zoom na foto da Júlia e perco o ar com a beleza dela

— Você tá sem foco! Tá agindo como um idiota por causa dessa besta de novo! - eu a encaro e tento encontrar a minha amiga calma e apaziguadora de sempre, mas só encontro uma menina chateada e me culpo por isso

— Vou pintar agora. - eu desligo o computador e saio do escritório em direção ao meu outro escritório, o meu atelier

Sinto que a Marcelina me segue, mas não olho em sua direção e nem ouço nada da parte dela. Ela sabe muito bem que o silêncio sempre me foi de muito bom agrado e sempre prefiro ele a qualquer outro barulho.

Talvez isso não seja verdade. Eu amo a risada da Júlia ou a da minha mãe também. Os conselhos do meu pai. A animação que só minha irmã tem ao contar qualquer história. Talvez isso seja melhor que o silêncio.

Eu coloco uma tela branca sobre o cavalete e respiro fundo depois de pegar uma palheta de cores escuras. Eu fecho meus olhos para focar meus sentimentos e quando dou por mim já tenho um quadro semi pronto.

As cores estão lançadas sobre a tela com uma ferocidade que não sabia estar sentindo. Eu consigo ver a silhueta marcada e conheço essa silhueta por qualquer lugar que eu fosse.

É uma mistura intensa de azul escuro, cinza e preto. Tem alguns toques de amarelo, lembro que era a cor favorita dela e isso me enlouquece. Tem mais cores misturadas, uma intensa chuva de cores que deixa o quadro perfeito.

— Você tá desenhando ela. - eu me assusto com a voz da Marcelina e a olho estranhando o fato dela ainda estar aqui — Em todos os últimos quatro quadros, Thiago. Puta merda!

— Se não está bom pra você meus quadros, não use-os. Faca você mesma. - eu engulo minha própria frustração — Eu quero ficar sozinho.

— Essa garota mal reapareceu e já mexeu com você. - eu não a olho mas ouço a porta bater com força e fecho meus olhos tentando diminuir minha confusão

Não diminui. Nem quando eu sinto meus braços doerem de tanto pintar. Oito quadros. Oito quadros com alguma coisa dela. A silhueta, o rosto, os olhos, a boca, tudo.

Eu solto um grito rouco. Eu odeio estar frustrado desse jeito. Odeio que meu subconsciente só pense nela. Odeio que ela esteja tão sob minha pele que, até mesmo quando eu não percebo, eu acabo fazendo coisas assim.

Thiago - Série Homens Perfeitos #3Onde histórias criam vida. Descubra agora