1. Benjamin Jacob

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A VISÃO do farol à noite o deixava melancólico. De certo modo, Benjamin Jacob invejava o imponente torreão que iluminava as embarcações, resistindo ao logo dos séculos, imune às transformações ao redor. Observá-lo, mesmo da janela no subsolo, trazia-lhe uma nostalgia do passado perdido. Foi lá que assistira ao pôr-do-sol, em tempos de menos radiação solar, deitado na grama da área externa do forte, sentindo o vento na pele e respirando o ar marítimo. Um tempo sepultado.


A situação obscura da atualidade contribuiu para se tornar um homem enigmático. Possuía seu código de conduta, fazia o que considerava justo e colocava o bem acima de qualquer questão. Apesar da aparência robusta, muitas vezes, sentia-se uma poeira por aquelas bandas.


Não era para menos.


Havia surrupiado um corpo humano, criado em laboratório pelos cientistas sirianos, e deixado para trás a base interdimensional Sorya, que controlava uma das passagens entre a terceira e a quarta dimensão, de onde fugira e nunca retornava para exercer a sua função, a de um guardião.

 

Lutava para manter os amigos desertores, como ele, longe da patrulha de seu povo e, também, dos axeanos, uma raça que manipulava os humanos nativos e ampliava a dominância no mundo, ocupando cargos políticos e influenciando a economia. Nunca conhecera qualquer deles que não fosse vingativo e ambicioso, apesar de já ter escutado sobre bons espíritos entre os axeanos, mas preferia duvidar.


Apropriara-se do veículo Benjamin Jacob, ou seja, o corpo físico que utilizava desde que resolvera fincar raízes na Terra, desobedecendo as ordens do seu povo. Guardiões tinham perseguido os desertores por muitas décadas, capitaneados pelo perigoso líder do Primeiro Comando de Sorya, Mikah Rother.


Enfim, desde sua fuga, vivia como se tivesse vendido a alma ao diabo, embora nada houvesse feito. Mesmo com o acordo com o Primeiro Comando, na última década, que pôs fim a perseguição aos que haviam abandonado Sorya, não permitia que membros sirianos inativos, ou seja, os que estavam nesse mundo com autorização, soubessem onde morava.


Os humanos da Terra nunca desconfiaram da guerra gélida, entre raças de outros mundos, travadas no planeta deles. Tanto os sirianos como os axeanos se utilizavam de veículos, corpos semelhantes aos dos povos desse mundo.


Foi bem fácil se integrar, pelo menos os sirianos. Quanto aos axeanos, não sabia dizer ao certo, pois os corpos originais daquela raça da terceira dimensão possuíam anatomia diferente a dos humanos.


Na verdade, ambas as raças viviam de modo natural e se reconheciam mutuamente entre os humanos. Os sirianos percebiam um axeano pela vibração e aura que emanava. Já os axeanos os distinguiam dos nativos da Terra, dizia-se, pelo cheiro.


No fundo, ele, Calik Feyn, seu nome siriano, tornou-se um solitário, um navegador num barco à vela que o conduzia para ilhotas desconhecidas. Era um eremita em busca do sossego inatingível, um qualquer que gostaria apenas de ser um número, um nada, uma poeira ao vento, quem saberia, assim, conseguiria libertar-se do peso da alma.


Sentia-se diferente dos humanos que caminhavam rumo à inércia. As pessoas desse mundo andavam às cegas, narcotizadas pela virtualidade, anestesiadas pelas possibilidades de experimentar vidas alternativas e irreais, que lhes roubavam o poder reflexivo e de racionalizar a realidade. Considerava aquela situação o pior veneno, porque permitia que o temerário governo axeano atuasse livremente.

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