2. Theixa Zik

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AS FERIDAS estavam quase cicatrizadas, o inchaço do rosto diminuía e o corte no ombro fechava. Contudo, continuava inerte. Quase não se movia e evitava fitar a parede onde os pesquisadores deixaram o macho humano morto. Um misto de medo, indignação e aceitação do próprio fim preenchia sua alma. Sofria por ter tirado o sopro da vida de Zahur, o macho da sua raça.


Por outro lado, a sensação de injustiça a importunava. Havia se defendido das maldosas investidas dele. Seu ato lhe custara momentos sombrios e terríveis, como a névoa negra onde viviam os Mentores, lugar que amedrontava a todos axeanos. Apesar de seu ato, pensava que merecesse uma morte rápida, ou que fosse devolvida aos originais.


Flexionou as pernas escamosas e curtas verde-escura ao redor de sua frontal, de tons mais claros, como se quisesse esconder o ventre que crescia de maneira rápida, não entendia o que fizeram com ela. As suas bochechas mirraram e os grandes olhos amarelos carregavam uma angústia nebulosa, pois não se conformava com a crueldade dos machos de sua raça, mais degradante do que roubar o sopro de vida de outro ser.


Só após aqueles momentos tenebrosos que passara pôde compreender que existiam situações piores do que a morte. E atravessava uma delas, um calvário de dor e decepção. Até Laymai a traíra. Prometera-lhe amor, liberdade e um corpo, porém, aprisionara-a naquele lugar de horrores, onde humanos eram maltratados e assassinados em nome das pesquisas.


Há pouco, começou a perceber uma grande movimentação nos andares superiores. O cheiro de flores, como as ixias azuladas e as liakas amarelas que existiam em Axen, inundava as narinas pequeninas com um perfume tranquilizador, mas aquilo não lhe animava. Aguardava apenas o último suspiro para que saísse daquela escuridão de lamentos e tristeza em que foi açoitada. Esperava se tornar um nada e, desse modo, retornar a ser uma partícula do Todo. Era assim que as Tersas entendiam a morte e ela seria uma delas, caso não tivesse sido enganada pelas promessas de Laymai.


Queria mesmo era esvair-se daquela cela, das águas e pedras que nunca foram tão confortáveis, contudo não conseguia mexer-se com facilidade, por causa do ventre arredondado, é que os pesquisadores introduziram um ovo fecundado em seus órgãos e aquilo crescia muito rápido, diferente dos ciclos das fêmeas de sua raça. Era uma cria modificada, meio axeana e meio humana.


Sua raça planejava futuros axeanos adaptados ao clima instável e extremo da Terra. Como poderiam pensar em surrupiar o mundo dos humanos que os acolhiam tão bem? Seu povo se tornou feroz e enterraram os valores do dom de viver do Senhor do Todo. Perderam Axen por querer usurpar outro planeta e se tornaram errantes do universo, os únicos que já ouvira falar, sem terem um mundo próprio. O que fariam na Terra dos humanos? Embora não tivesse mais forças parar lutar por si, preocupava-se com aquela raça. Conhecera Agnes e entendera o sofrimento daquela humana. Os axeanos não carregavam gratidão para com os humanos e se envergonhava por eles.


Num repente, percebeu o cheiro e a movimentação aumentar. Continuava deitada olhando para a parede, enquanto pensava e ouvia as ondinhas baixas num ritmo monótono. Em seguida, a porta destravou e foi tomada por um pequeno susto. Seria Tevi e Salus para passar um aparelho em seu ventre? No entanto, o perfume invadiu a cela e os seus olhos amarelos pousaram, discretamente, naquele grupo. Avistou Laymai, entre machos e fêmeas humanos de peles diferentes.


— Theixa, viemos te salvar. Trouxe pessoas que... que ajudarão – gaguejava Laymai.

Então, de súbito, acometeu-se por aquela percepção. Os olhos arregalaram de susto, afinal, eles eram sirianos. Estava tão obtusa que nem havia ligado o perfume aos inimigos de sua raça da quarta dimensão que cheiravam a flores. Algumas histórias contavam aquilo, porém nunca os vira frente a frente, como naquele momento, ainda mais semelhante aos humanos, pois as lendas se referiam a feras imensas e altas.

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