2. Diana Archemi

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Quarta-feira, 20 de novembro de 2047.


SOCOS e ganchos cruzados, chutes frontais e laterais tinham nocauteado Leo, o pai que a vida a presenteou. A sensação de demolir com golpes, aquele que emergiu dos submundos para atormentá-la, tinha aliviado a tensão naquela manhã. Lógico, era só imaginação de Diana, durante o treinamento. Na realidade, ela nunca vencia uma luta, nem contra o próprio robô simulador da academia, que media a intensidade dos golpes do adversário e lançava chupes e socos. Contava com o estímulo do treinador Igor, mesmo que desdenhasse de seu desempenho, a apelidando de sarna perdedora.


Naquela manhã, ouvira o zunzunzum de um tiroteio na Academia Vida & Saúde. Tinha passado pela entrada destroçada, porém como possuía seu próprio fantasma nem indagara sobre detalhes daquela quebradeira. Conhecia de vista os jovens e belos proprietários, Benjamin e Beto. Quando a mente esvaziava, encabulava-se com a diferença entre os dois. Beto tinha um jeitão descontraído, estranhos cabelos escuros e longos, com os fios da frente passados atrás das orelhas, quase de abano, a barba e bigode também eram esquisitos, a pele naturalmente dourada dava um tom naturalista, já o corpo era do tipo forte, com pernas grossas, torso e braços torneados. Quando, vez ou outra, aparecia no seu horário, Beto passava pelas salas de treinamento, conversava com os instrutores e com alguns alunos, tinha o sorriso belo e fácil, às vezes, soltava gargalhadas animadas. 


Já Benjamin fazia o tipo compenetrado, carrancudo, possuía os ossos do maxilar marcantes e os cabelos castanhos cortados ao estilo militar, a barba estava sempre feita. Era alto, com ombros largos, braços fortes, pernas longas e pele amendoada. Apesar de morar na academia, parecia não gostar de ser visto, pois interagia pouco com os outros. Beto e Benjamin nunca a notaram, afinal sempre fora um número em todos os lugares. Treinava no primeiro horário, às cinco horas da manhã e muito raramente no segundo horário, ia e vinha como uma invisível.


Enfim, aquele dia começava pesaroso, a bagunça na Vida&Saúde coincidia com sua mente turbinada pelo surgimento de Leo. Já tinha chegado ao trabalho, após tomar uma ducha na academia e se enfiar no velho jeans, na camiseta cáqui e no par de botinha prediletos. As horas passavam devagar, olhava para a mesa e os pensamentos alternavam-se entre seu pai e Gabriel Maia. Esse último roubava um bom naco de seu tempo. Os devaneios davam a impressão de que era atormentada por um carrasco e um anjo e as histórias se confundiam como uma sopa alucinógena.


Sobreviveria.


Na noite anterior, Gabriel confidenciara que se assemelhava a "um cristal", o que badalara bem ridículo aos ouvidos e, no íntimo, mantinha-a imbecilmente encantada, apesar do tom realista do colega. De todo caso, o maior peso era o pai que bagunçou a estante empoeirada de difíceis lembranças, fazendo-a voltar a vislumbrar a ponte para um pântano sombrio de onde saíra com dificuldade.


Driblou a mente e procurou focar-se na grande mesa touch e em suas atividades profissionais. Era técnica em software, diploma que conquistara ao concluir o ensino médio. Gerenciava as imagens captadas pelas câmeras das ruas, praças e avenidas. Nada muito complicado, graças à arquitetura do sistema que apontava para os espaços de armazenamento corretos. Cabia-lhe a compreensão lógica dos agrupamentos, localizar os materiais solicitados pelos policiais e solucionar problemas técnicos simples que aprendera com os engenheiros do sistema.


A Divisão do Departamento de Segurança da Quarta Região cobria bairros e as áreas do antigo centro da cidade e um quinto da orla, a partir da cidade alta. Eram quase 10 mil câmeras, com ângulos de 360 graus, que sugavam a movimentação nas vias públicas e parte da vida privada. Muitas pessoas as denominavam de "os olhos que tudo vê". O sistema de vigília contava ainda com as imagens dos lumes, as micro câmeras voadoras parecidas com vagalumes, que varriam a cidade em busca de problemas. O gerenciamento das imagens dos VI's, das sentinelas-robôs, dos lumes e zangões, voadores maiores com capacidade para armas, e das que chegavam por satélite era tarefa de oficial, quem executava era a tenente, Matilda Huges.

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