4. Diana Archemi

35 6 1
                                    


A PONTE da União, que interligava a cidade e a Ilha, ficara para trás. Tinha se empoleirado no banco traseiro do automóvel de Gabriel e, ao longe, ouvia a conversa animada dele com Mayra. Naquele fim de tarde, o seu estado de letargia permitia apenas que os olhos acompanhassem a paisagem da baía, quando o carro atravessava a ponte sob o mar, a imensidão azul que separava uma terra e outra, mesmo aquecida e suja.


No céu, o degradê anil e o alaranjado produziam uma mistura de cores cadenciada que era um alento à alma, visto que, nos últimos dias, desenvolvera uma rara predisposição para se meter em encrencas, que batia recordes. E olha, a vida nunca lhe pegou suave, mas aquele imbróglio de trabalhar na governadoria, os caras que a ameaçaram no posto e o pai que havia encontrado após 15 anos transformaram aquela semana na pior de sua existência.


Pior que viver uma tragédia é ser assombrada por seu fantasma ao longo do tempo, conluia.


Deixaram para trás condomínios residenciais fechados. A história da Ilha confundia-se com próprio mar que a rodeava na baía, alegoricamente, enfrentando momentos de enchentes e vazantes. Teve como primeiros homens os índios, foi povoada pelos portugueses, atacada por ingleses e holandeses, ainda tinha sido palco de guerras pela independência.


As mágicas paisagens e praias atravessaram séculos, entre o apogeu com as ocupações por veranistas e turistas quando a travessia ainda era feita por lanchas e ferry-boats, o declínio devido a outras regiões costeira terem ganhado destaque nos verões, voltando ao cume da especulação imobiliária com a inauguração da Ponte da União e naqueles estranhos tempos do Cinturão de Segurança enfrentava mais uma fase difícil; além do que, com aumento da radiação solar, evitava-se a exposição solar ao ar livre e os banhos de sol deixaram de ser lazer para se tornar problema de saúde.


Aos poucos, o tempo parecia ganhar outro ritmo.


Agora Gabriel guiava por uma estrada de chão envolta por mata nativa, apesar da noite apontar no céu, conseguia distinguir os pés de cajueiros, araçás, coqueiros, palmeiras, mangueiras e aroeiras, margeando o caminho numa beleza que a acalmava, considerando que não havia tido um dia tranquilo. É que, além dos seus próprios pesos, afligira-se pelo sumiço de Mayra e tinha passado horas tentando localizá-la. A amiga nem fora ao trabalho no shopping center e muito menos avisara que faltaria; o comunicador estava bloqueado, o que a angustiara.


Sabia o tanto que Mayra queria aquele passeio. Já quase na hora de saírem, Gabriel lhe avisara que Mayra estava bem e que havia sofrido um acidente caseiro, o que aliviara a preocupação. Só que, quando a havia encontrado, estranhou aquela narrativa.


Mayra estava com o braço esquerdo envolto numa atadura e dissera ter sofrido um escorregão no banheiro e a louça quebrada havia ferido o braço. Soava mal, pois em caso de queda, o impulso seria o de proteger-se com a mão ou antebraço, mas os de Mayra estavam intactos. Calara-se já que estava focada em fugir daquela cidade antes que algo pior a acometesse, desse modo, aquele convite para Ilha, que inicialmente pensava em declinar, nunca caíra tão bem em seu caminho.


Além do sumiço de Mayra, durante o expediente, a tenente Matilda lhe mostrara o vídeo do Posto 10. Os arquivos tinham sido editados, embora a linha de tempo se mantivesse cuidadosamente linear e as imagens fossem ininterruptas. Aparecia sua imagem jantando, o movimento de alguns clientes e o momento em que saiu da loja. Nenhum risco da presença do homem careca e do roliço mudo. Passava por mentirosa e delirante. Matilda a olhara desconfiada. Era assustador pensar na hipótese de que as imagens tenham sido manipuladas. Para quem conhecia o Sistema de Segurança, a sua situação parecia conversa de uma paranoica loroteira, porque seria impossível acessarem às gravações e tão rapidamente as editarem sem deixar rastros. Sentia-se uma insignificante e a sua existência de repente estava ficando muito insana...

Mundos Secretos ⚠️ HIATO por tempo indeterminado ⚠️Onde histórias criam vida. Descubra agora