1. Theixa Zik

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A ÁGUA descia em torvelinho e o som constante e baixo caia como uma música que acalentava o seu coração. O lago raso ainda estava rodeado por algumas poças avermelhadas após o horror que vivera naquela manhã. Era uma axeana original, que não passara por uma transposição de corpo. Há muito tempo, vivia confinada no laboratório de Laymai Aiz, numa cela de doze metros de largura por oito metros de comprimento, certa vez ouvira Zahur explicar.


Naquele dia, desde que os pesquisadores partiram, enrolou-se em seu corpo, deitou em frente à parede, em uma de suas pedras prediletas, e se resfriava com os fios de água que passavam ao redor do corpo ferido. A dor desencorajava movimentar-se. Observava a parede petrificada. Era uma aberração comparada aos humanos. Nesse mundo, sem a transposição nunca conseguiria sobreviver fora daquela cela. Sua anatomia era outro grande pesar. Tinha o couro verde escuro e claro, com nódulos cinza nas costas e o rabo curto, Laymai dizia que seu rosto era meigo, mas naquele dia estava entristecido. Mantinha fechados os lábios azulados, que escondiam os dentes cônicos. As bochechas verdes clarinhas estavam murchas. Os olhos grandes e amarelos quase não piscavam.


Antes de ser convencida por Laymai a subir para esse mundo, vivera numa estação do Clã Cinza com sua família. Os seus pares diziam que possuía beleza. Dedicava a vida a orar ao Senhor do Todo e a ajudar nos cuidados e educação dos pequeninos axeanos. Aquele passado estava longe de sua dolorosa realidade. Sabia que o rosto ainda estava sujo, cheio de respingo de sangue do humano, nem conseguia molhar a mão e passar sobre a face. As lágrimas também lhe faltavam, embora o choro inundasse a alma, engolfando-a num dor jamais sentida.


As lembranças do que havia ocorrido se multiplicavam como os raios solares de Axen que nunca se apagavam, como a água fria que escorria dos tantos desfiladeiros rochosos, inundavam, em pequenos níveis, as planícies pedregosas, as terras escuras e formavam ondinhas ao redor de seu corpo, quando pequena, deitada em lajeiros. Era assim que gostava de observar o tempo em que os dois sóis Yahi e Tick se encontravam. Yahi, chamado de a criança de Axen, era o sol menor e Tick era o pai com sua esfera laranja, maior e imponente. Do mesmo modo, não se esvaia da alma o que aprendera com a Tersa que a educara. A população amava as Tersas e tivera o privilégio de conviver com uma. Aprendera sobre a dádiva do Senhor do Todo, que presenteava os seus descendentes com o sopro da vida e ensinava sobre a necessidade de respeitar cada ser como a Ele mesmo.


Sendo assim, não entedia como os pesquisadores podiam ser tão incorretos. Sua raça punia quem tirava a vida de outro, principalmente, se fosse uma fêmea. No fundo, imaginava que podia estar sendo castigada por ter roubado o sopro da vida de Zahur. Defendera-se e não pensou que aquele aperto fosse resultar no último suspiro dele.


Havia tempo que se sensibilizara com os lamentos da humana. Escutava os choros e pedidos de ajuda. Com tantas horas sem nada a fazer, esforçara-se, através dos sentidos, e conseguira apreender o que Zahur fazia para abrir a cela da humana. Às vezes, entrava para alimentá-la, conversando com outros. Ouvia tudo. Antes de Tevi e a equipe chegarem, não temia ninguém de sua raça. Por isso, tivera coragem de apertar Laymai e saíra da cela, deixando-o trancado. Apanhara um lança, subira as escadas e aproximara-se do cárcere da humana.


— Oi, fêmea – havia sussurrado antes de colocar seu rosto na grade da porta. — Ouço teu choro... ouço teus lamentos... e quero te ajudar...

— Não pode... ninguém pode – um breve silêncio. — Quem é?

— Theixa – fora mais incisiva. — Ninguém pode fazer outra pessoa prisioneira sem motivo. Tirou o sopro de vida de alguém? Feriu alguém?

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