Meu Dono Irresistível (Romance Gay)

VINTE E NOVE | Mutabilidade

NARRAÇÃO DE DAVID

Nós já sabíamos que algo de bom não estava por vir nessa situação toda, e as informações do médico sobre o que realmente havia acontecido ao Kaio, as consequências, com certeza nos deixou inteiramente chateados, inconformados. Ele não merecia isso, ninguém mercece algo assim, mas para uma pessoa tão boa quanto ele demonstra ser, um incidente desses só nos faz acreditar mais ainda que o mundo não é um lugar justo para os justos.

Não somente pelo ocorrido de hoje, mas em razão da sua história de vida. Pelo que pouco sei, é um garoto tentando encontrar a felicidade que estivera faltando em suas vivências, depois de passar por obstáculos que o provaram ser uma pessoa forte, e agora, está em uma cama de hospital, se recuperando de uma cirurgia.

O procedimento, felizmente, foi um sucesso, segundo a linguagem dos médicos. Parece que o impacto na coluna não afetou diretamente a medula espinhal, o que deu um alívio e tanto para todos nós, pois se eliminou praticamente por  completo a possibilidade de haver o que mais temíamos: a paraplegia. Ele não ficar sem os movimentos das pernas, apesar do estado ainda delicado, já é algo para se comemorar bastante.

Não tivemos mais notícias desde então, mas eu achei melhor ficar no hospital, para caso de novos detalhes, atualizações. Eu sabia que as coisas não iriam acontecer só porque eu estava esperando que acontecessem — ou até pudessem, o que não seria bom considerando a estabilidade implantada; eu sabia que estava muito cansado para fazer qualquer coisa, inclusive esperar, mas coloquei na cabeça que eu tinha que me impor como um agente de responsabilidade. De alguma forma, e por algum motivo, eu sentia que precisava continuar me sustentando nesse papel. Por Kaio. É, talvez eu já soubesse o motivo.

A essa altura, a noite já havia expulsado o dia do seu turno e o tomado de vez para começar a impor sua escuridão. Nem sabia mais em qual hora o relógio agia. Meu celular descarregado, eu nem tinha vontade de ao menos ir na recepção e ver em quais direções os ponteiros apontavam. Até perguntar para Will, que estava ao meu lado, não era uma opção viável.

Sobre o restante do pessoal, Léo foi embora pela tarde, disse que voltaria quando a situação estivesse mais calma, mas justificou sua ausência por causa de uma questão pessoal, que tinha que ir e amanhã apareceria de novo.

Diferentemente dele, Enrico estava sumido desde que soube por mim as más notícias. Ele não voltou mais ao hospital, nem se comunicou, nada. Possivelmente está lidando com todo esse caos à sua própria maneira, ou tentando encontrar uma forma de lidar. Nunca o vi ficar tão preocupado com alguém, e a sensação foi de que sua expressão transmitiu mais do que isso. Espero realmente que esteja bem. Não tenho dúvidas de que isso tudo caiu como uma bomba em cima dele. Talvez seja mais complicado deduzir qualquer coisa em relação a alguém que não demonstra emoções à toa, mas, lá no fundo, ou não tanto assim, eu sei que ele foi afetado.

Mas não mais quanto a quem estava posto em uma poltrona, dormindo com seus braços cruzados e a cabeça para o lado. Lucas insistiu em não ir embora, que ficaria até não aguentar mais se fosse necessário. Embora eu achasse a sua postura muito nobre, em minha mente ainda permeavam as suas insinuações em tom acusativo contra o meu irmão. Na verdade, ele o culpou claramente pelo acidente. Não tive como esquecer, ele parecia esconder algo.

— Will, por que será que Lucas agiu daquela forma mais cedo? — Perguntei. Sem a resposta vir, toquei no peito dele, minha cabeça estava recostada em seu ombro. Will agiu como se tivesse tido um pequeno susto.

— Oi... — Passou seus dedos nos olhos. — Desculpa, eu estava dormindo, um pouco... — Aconchegou melhor o seu corpo. — O que você disse?

Dessa vez, fui eu quem não proferiu resposta alguma. Mantive meu olhar para o nada, mas analisando um pouco mais as circunstâncias depois de perceber o que estava acontecendo. Will não insistiu em se pronunciar novamente, e não precisava. Eu decidi algo que devia tê-lo feito muito antes.