TRINTA | A carta

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Acima, a música tema de Enrico.
Natural - Imagine Dragons.

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Os irmãos mantinham-se postos em pé, no estacionamento do hospital, um de frente para o outro. A pergunta de David talvez não tenha chegado tão incisiva aos ouvidos de Enrico. O milionário encontrou-se numa paralisação de qualquer atitude, num beco sem saída. Seu irmão pendurava aquele pedaço de papel que trazia diversas lembranças, e com ele, uma história aparentemente mal resolvida. Uma enxurrada de recordações, boas e ruins o permeavam, fazendo-o ficar com a língua presa.

Poderia simplesmente negar veementemente, até que lhe faltasse fôlego nos pulmões. Poderia dizer que David estava louco, por tentar criar algo em sua cabeça, apenas para lhe fazer ser vulnerável. E poderia, até, agir com sua indiferença e ignorar tudo aquilo friamente; seria só mais uma vez.

Porém, não havia como esconder o seu comportamento quando pego de surpresa, não havia como fingir que aquelas palavras não significavam nada, pois, de fato, já causaram um montante de sentimentos, e entre eles a raiva e o inconformismo fizeram o papel principal. Mas outros mais também estiveram presentes, outros que foram mais difíceis de se sentir, e de se deixar ser dominado. A todo modo, fizeram parte de um passado totalmente camuflado.

Enrico respirou profundamente, quase como numa rendição. Olhou fixamente para o seu irmão, que esperava por respostas, mas, além de tudo, compreendia a situação. Compreendia que era complicado para ele falar de tais coisas, por razões distintas, mas construídas categoricamente ao decorrer dos anos.

- O que você quer saber? - Perguntou, engolindo todo o seu orgulho, uma missão quase impossível diga-se de passagem.

- Acho melhor irmos para outro lugar. - Sugeriu. - Vamos para casa. Lá, poderemos conversar melhor, e eu preciso tirar essa roupa. Lucas virá para cá assim que estiver livre das aulas, parece que terá um trabalho importante ou uma prova, não sei bem. - David finalizou, vendo-o formar uma expressão que dizia claramente o quanto não havia gostado do que ouvira. - Ah, não seja infantil agora... não sei o que vocês dois têm para se odiarem, mas, pelo menos, ele não deixou esse hospital em nenhum momento enquanto pôde. Se for ciúme, esqueça. Kaio precisa do apoio de todos nós, sendo amigos e, principalmente, namorado.

O caçula dos Villamore certamente ficou surpreso por não ter sido alvejado com um olhar furioso naquele momento, e foi então que, sem esforço algum, identificou algo novo na face da pessoa ao qual encarava, confirmando uma de suas hipóteses para a "rixa" dos rapazes. Também pudera, depois de estar a par do conteúdo da carta, não seria uma possibilidade duvidosa esse sentimento, mesmo conhecendo Enrico tão bem, ou melhor, até onde ele se deixava mostrar.

- São ciúmes! Você não aguenta ver que o Kaio tem um amigo como o Lucas, atencioso, prestativo, e, além de tudo, bonito. Você sente ciúmes, talvez, por pensar que vai perder o posto para alguém mais jovem, e com quem o seu companheiro tem uma relação de anos, desde crianças. - Constatou, quase soltando um sorriso irônico em provocação.

- De onde tirou essa baboseira? Nada disso é verdade! - Fechou a cara, se irritando pelo comentário um tanto malicioso.

- Ora, isso é normal. Vocês são namorados, afinal. Se gosta dele, tudo bem ter medo que outra pessoa tome o seu lugar. Mas eles só são amigos... - Fez-se pensativo. - O que eu não entendo é o porquê de Lucas ter acusado você pelo acidente, ele pareceu muito consistente nas palavras.

Sabendo que não teria uma resposta, David retomou ao assunto inicial, e o outro agradeceu em pensamento, mesmo que, por agora, tivesse que falar de coisas as quais não dividira com quase ninguém, e se sentisse pressionado a voltar ao passado, com partes de sua vida que ficaram às escuras.

Meu Dono Irresistível (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora