No penhasco onde sua voz se perdeu

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O mundo não pode me ouvir.

Foi o que eu pensei quando saí do hospital naquele dia, com minha mãe ao telefone atendendo alguma ligação importante e meu pai na cadeia.

E meus dias seguiram-se deste jeito: cinza, cuja cor eu simpatizei rapidamente. Eu me acostumei ao céu azul e convidativo através da minha janela, como se fosse a moldura de uma paisagem na qual eu jamais iria degustar. Apenas aceitei que aquela era minha nova realidade.

Certas noites, lágrimas escorriam pelas minhas bochechas enquanto eu fazia alguma atividade corriqueira, como jantar ou ler algum livro. Elas tinham um motivo para cair e eu não tinha um motivo para segura-las, então eu fechava os olhos e esperava meus sentimentos voltarem ao seu devido lugar. Eu secava minhas lágrimas e forçava um sorriso. Era uma rotina cinza e solitária, mas era tudo o que eu tinha.

Tudo era cinza.

Mas então, você me surgiu, em uma tarde levemente nublada, com o céu indeciso entre mostrar sua luz ou deixar cair sua fraqueza. Eu vi em você tantas coisas novas que não consegui expressar nada quando entraste em meu quarto.

Eu via cores irradiando de você e me contaminando ao mínimo gesto ou palavra que vinha de ti. Castanhos e verde preenchendo meu coração, criando a mais bela obra de arte que você poderia pintar em uma tela cinza como eu.

Você me mostrou como o sol brilha sob minha pele, mostrou-me como a grama reage ao meu toque, mostrou-me a maciez de seus beijos. Por isto tenho que lhe dizer:

Obrigado, Shouto.

As cores são lindas.

Estava muito meloso?

Izuku batia a caneta incessantemente contra o caderno, relendo suas palavras de maneira paranoica.

Após o que aconteceu na tarde de hoje, Todoroki foi o primeiro a levantar e limpar tudo antes que Inko aparecesse. Tomaram banho juntos e, quando a mãe de Izuku voltou, Shouto despediu-se e foi embora, alegando estar anoitecendo.

Então, aqui estava Midoriya Izuku, expondo os seus mais profundos sentimentos à um pedaço de papel enquanto a noite preenchia sua janela, sendo banhado pela luz da lua em conjunto com a luz artificial que emanava da lâmpada.

Suspirou, não havia escrevido exatamente um poema, e sim uma pequena carta para ele. Mordeu os lábios, ansioso.

— Izuku? — Inko entrou no quarto com um semblante preocupado. — Tudo bem? Você está acordado a esse horário ainda…

“Estou bem” — Gesticulou.

— O que está fazendo? — Ela aproximou-se da cama, passando os olhos pelo caderno do filho, aberto numa das páginas finais. — O que é isso?

“Ele disse que eu uso palavras bonitas, então tentei escrever para ele.”

Em línguas de sinais, era difícil usar nomes próprios em seu vocabulário, mas nada impedia Izuku de usar um gesto referente a uma palavra existente para se referir à Shouto. Mesmo se apossando do “ele”, Inko entendeu de quem o filho estava falando.

— Posso ler?

Midoriya hesitou, abraçou o caderno contra o peito e desviou o olhar. Não sentia-se seguro para mostrar nem mesmo à Todoroki, imagine para sua mãe.

— Ok — Ela sorriu de maneira doce. — Sabe, Izuku, durante todos esses anos eu sempre procurei ser forte. Não por mim, mas por você. Eu queria ser alguém em quem você pudesse confiar, não importando a situação. Mas, como mãe, eu segurei minha angústia na frente de você e depois, sozinha, eu via ela transbordar e formar um rio onde eu lutava para me manter estável. Às vezes eu me ponho em seu lugar e… oh, é assustador. Eu caminho pelo bairro e vejo mães brincando com seus filhos no parque, correndo, gritando, rindo, e isso me deixa tão triste. Às vezes fico pensando em como tudo seria se não fosse suas pernas e me odeio por isto. Por estar sendo fraca e deixando meu arrependimento ditar meus passos. Você é quem você é pelas coisas que lhe aconteceram, e eu deveria ficar feliz. Céus, eu tenho um filho maravilhoso!

Você pode me ouvir?Onde histórias criam vida. Descubra agora