Resoluções

1.5K 179 250
                                    

Izuku chorava baixinho, encolhido no canto da cozinha. De cima, a louça lhe encarava grandiosa, desafiando-lhe, as palavras de seu pai ecoavam-lhe na cabeça. Tentou acalmar sua respiração e conter as lágrimas, arrastando-se até a pia.

Lave a louça antes que eu termine os papéis.

Izuku sentiu a dormência tomar seus braços à medida que tentava erguer o tronco para a pia. Seus braços falharam e ele despencou, bateu o queixo na pedra dura e foi de encontro ao chão. As lágrimas voltaram, mas desta vez a dor era física. Apalpou o queixo dolorido e tentou mais uma vez. Pôs toda sua força em seus punhos e ergueu mais uma vez o tronco, manteve-se apoiado pelos braços e alcançou um prato sujo. Abrir a torneira era uma tarefa arriscada, deveria ceder um de seus pontos de apoio para esticar a mão até lá, e foi o que Izuku fez, felizmente sem contratempos. Conseguiu lavar dois pratos com sucesso, entretanto não tivera tanta sorte com o copo.

Escorregou de suas mãos e espatifou-se contra à pia, o barulho foi o único som que ecoou na casa silenciosa e Izuku sabia que estava encrencado. Deixou-se cair cuidadosamente no chão e encolheu-se. Seu pai tinha razão, ele era um inútil.

Não demorou a ouvir a porta sendo aberta e passos pesados ficando cada vez mais altos. Pôde ver a chama de desprezo nos olhos do pai, lhe metralhando sem que dissesse nada. Sem perceber, sua boca abriu-se e murmurou um monte de desculpas desesperadas.

— Cale a boca, Izuku. — Sua voz soou-lhe como um tapa. — Você fala demais.

O garoto fechou bem os olhos, voltando a cantarolar de lábios fechados a canção que sua mãe costumava lhe cantar quando era criança. Esperou as agressões e não demorou a sentir seu cabelo ser puxado bruscamente. Sentiu o chute no estômago e as pegadas fortes nas laterais de seu corpo. Hisashi sempre evitava o rosto com medo de Inko perceber algo.

Midoriya Izuku não sabia, mas Hisashi odiava ouvi-lo cantarolar enquanto era agredido.

Lágrimas manchavam-lhe as sardas escurecidas pelo pesar e a música cantada insistentemente, como uma ladainha, começou a falhar com a dor. Centrou toda sua atenção nas memórias antigas e felizes, como um cristal que rachava à cada chute. Sentia seu corpo quebrar tal como o copo, e não demorou a sentir seus cacos ferirem a região de seu braço que buscava apoio por dentre os destroços.

O ar lhe fez falta e teve de interromper a música para respirar, erguendo os olhos embaçados para Hisashi. Tudo o que viu foi um borrão.

— Pare, por favor! — Nem um sinal de piedade.

Izuku começou a gritar palavras desconexas, dizia que ia morrer, pois realmente sentia a morte se aproximando. A música voltou à sua memória como um borrão e passou a berrar a letra desesperado.

— Cale a boca… — Sentiu seu cabelo ser agarrado e sua cabeça erguida, permitiu-se abrir os olhos e tudo o que viu foi a quina da mesa e, ao perceber que seu pai pretendia jogá-lo contra à quina, voltou a berrar desesperadamente, tentando livrar-se do aperto com as mãos. — Ninguém te contou, mas ninguém suporta ouvir sua voz.

Viu a quina aproximando-se e em seguida o breu total.

“ “ “

Izuku acordou num sobressalto. A música murmurada pela sua própria voz continuava ressoando em seus ouvidos e teve que abrir bem os olhos para deixar de enxergar a cozinha onde tudo aconteceu e voltar a ver seu quarto.

A escuridão lhe passou uma estranha sensação de segurança.

Ele segurou o próprio pescoço, sentindo a textura dos pontos costurados e, ao mesmo tempo, dor. Havia sido tudo um pesadelo terrível, mas tão realista que Izuku ainda podia sentir e ouvir tudo nos mínimos detalhes. Seu estômago estava embrulhado como se tivesse levado um soco e sentia ânsia de vômito. Estava desnorteado, ainda distinguindo a realidade de seu subconsciente.

Você pode me ouvir?Onde histórias criam vida. Descubra agora