Capítulo 1

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Trabalha no restaurante da minha mãe tinha seu preço: escravidão. Não que eu odiasse, mas também não gostava de cozinhar. O pior de tudo era ter o dom... e quando você nasce com isso, está ferrado duas vezes: uma por não gostar e outra por saber cozinhar. Minha família é famosa no bairro pela boa comida espanhola, pela beleza das mulheres Delmondes e também por ser uma família de sangue quente. Era um dos meus muitos orgulhos, ser dessa família alegre e cheia de vida.
- Ana! - ouvi minha mãe gritar de dentro da cozinha do restaurante. Dona Inessa era a minha mãe, paciente como um tornado, carinhosa quando necessário.
- O que houve agora? - perguntei aborrecida assim que cheguei na porta.
- Sua irmã Lolla precisa de juízo. Ela queimou a Tortilla! - todas às vezes que a minha irmã queimava algo, dona Inessa me chamava. Ao contrário de mim, Lolla amava cozinhar. Porém, não tinha o dom para isso. E por isso nosso relacionamento não era dos melhores.
- Eu não preciso de juízo! Sabe o que eu preciso? Nascer de novo, mas dessa vez a senhora tem que dar o dom para mim! - esbravejou toda chorosa para nós duas. Queria muito que a minha irmã tivesse nascido tão boa cozinheira quanto eu, só assim não brigaríamos tanto e nem ela cultivaria raiva que sentia por mim. Só Deus sabe o quanto amo a minha irmã.
- Lolla... - tentei me aproximar dela, mas ela saiu correndo para os fundos do restaurante aos prantos. Nem sempre tinha sido assim, mas desde adolescência, as coisas mudaram. Lolla tem apenas vinte e cinco anos e tinha muito orgulho por ter-se formado no curso de administração, no entanto, a sua paixão era querer aprender a cozinhar e tomar conta dos negócios.
Quando completei dezoito tudo em mim se aflorou. Meu corpo, minhas habilidades culinárias e meu sucesso entre os garotos da minha idade.
Foi aí que sete anos depois, ela sentiu a necessidade que deveria ser melhor que eu em todos os sentidos.
- A senhora não deveria me chamar todas às vezes para repreender a Lolla, mãe. Isso a magoa muito...
- Não é por maldade, minha querida. Quando me dou conta, já chamei... - disse com o tom de voz triste.
- Senhora Inessa... - Jane, uma de nossas funcionárias, chamou minha mãe. Por algum motivo, ele sempre pedia que Jane a chamasse.
- Castello? - não sei porquê ela ainda perguntava se era ele.
Franz Castello conhecia a minha mãe desde que me entendo por gente. Sempre frequentou o nosso restaurante, até onde consigo me lembrar. A família Castello era muito famosa na cidade por seu tipo de negócio, assim como a família Mazzini: outra família que trabalhava com ilegalidade. Não estou falando como se eles vendessem algodão doce na esquina... se fosse isso, eu não ficaria tão preocupada com a amizade dos Castello com a minha mãe.
Sempre que ele chegava, se dirigiam ao escritório para uma conversa particular. Não vou mentir e falar que a curiosidade de ir na porta e tentar escutar só um pouco, nunca passou pela mente. Mas aí, eu conhecia a mãe que tinha. Se eu fosse pega no flagra, o meu coro iria arder por um mês inteiro sem direito a gelo para aliviar.
Nos últimos dias, ele estava vindo com mais frequência. Duas horas depois, os dois saíram do escritório. Para mim, foram as duas horas mais longas da minha vida. Lolla já tinha voltado ao seu posto na caixa registradora, deixando de tentar não queimar mais uma tortilla e estava sem falar comigo. Não sou o tipo de mulher que fica adulando. Se não quer falar, não fale. Amava a minha irmã, mas nem por isso ficaria atrás dela como um cachorrinho. Meus vinte e nove anos, me permitiam ser assim.
- Ana, preciso que venha aqui... Franz quer conversar com você - até Lolla ficou surpresa quando ela me chamou. Afinal, ela nunca deixava que falássemos com o todo poderoso Franz Castello.
Olhei para Lolla, que tinha o semblante ainda mais carregado, e segui obediente a minha mãe junto com o seu amigo para dentro do escritório. A mobília era simples, no entanto, a decoração gritava que éramos espanholas.
Franz devia ter seus sessenta anos, por aí. Um homem bem conservado, moreno, alto e de uma beleza incrível. Seus olhos verdes era a coisa mais marcante, sem falar no sorriso desafiador em seus lábios, quando me olhou atentamente.
- Você sabe quem sou eu, jovem? - a sua voz era macia e com uma leve rouquidão.
- Sim - respondi já me sentando em umas das cadeiras, no canto do escritório.
- Então se me conhece, sabe o que faço. Certo?
- Vender algodão doce na esquina é que não é... - ironizei, olhando para ele.
- Olhe como fala, Ana! - minha mãe me repreendeu e logo me encolhi no íntimo.
- Ela me lembra você, Inessa. Se me lembro bem, o atrevimento está marcado no DNA da família - brincou sorrindo para minha mãe. Eles pareciam ser bem mais que amigos, pela forma como ele olhou para ela. De alguma maneira, me senti estranha com o jeito que ela retribuiu aquele gesto singelo de afeto.
- E olha até onde o meu atrevimento me trouxe, Franz... - a amargura em sua voz era nítida. Minha mãe nunca falava sobre o seu passado, mesmo que eu tivesse perguntado inúmeras vezes quem era o meu pai ou se ele estava morto.
- Sinto que tenha que fazer essa escolha, minha querida... - eu não tinha escutado. Ele tinha mesmo chamado ela de 'minha querida'?
- Sobre o quê vocês estão falando? Que escolha é essa que a minha mãe fez?
- Tudo que está acontecendo é culpa do meu passado, minha filha - a seriedade em seu rosto mostrava que o que ela tinha para falar, não seria fácil. O passado dela sempre foi algo que parecia machuca-lá muito. Talvez por isso minha mãe tinha guardado para si, até aquele momento - você precisa sair o mais rápido da cidade, Ana. Seu pai está vindo buscá-la para assumir os negócios da família... - eu me sentia tonta de repente. Meu mundo estava virado ao avesso.
- Como assim, meu pai quer que assuma os negócios da família? - perguntei confusa.
- Seu pai é o Enzo Mazzini - falou Franz. A sensação que tive, foi a da minha alma saindo do corpo. Como eu poderia ser filha de um mafioso? Não fazia qualquer sentido no que eles estavam me falando.
- Isso só pode ser mentira! Uma brincadeira sem graça... - parecia que me faltava ar nos pulmões. Ela sabia que eu sempre quis saber quem era o meu pai. Saber que se ele estava vivo ou até mesmo morto, para eu poder ao menos falar que eu o queria em minha vida.
- Não tenho muito tempo para explicar com riqueza de detalhes, mas a família Mazzini e Castello sempre foram inimigas. No entanto, a nossa família está ligada as duas por minha causa. Há muito tempo, escolhi seguir um caminho diferente da que seria se eu tivesse ficado com o seu pai, Enzo. O fato é que acabei me apaixonando por outro, e tive que fugir. Seu pai sabe quem é o homem que me faria desistir de tudo... - ela olhou de soslaio para Franz, e com o olhar falou silenciosamente o que parecia um pedido de desculpas - esse outro homem assumiria você como filha, porém, não achei justo. Não com você, nem comigo e nem muito menos com ele...
- Esse homem é o Franz, não é? - a pergunta saiu tão rápido quanto o meu pensamento.
- Sim. O único homem que já amei na vida - mas se ela fugiu, como o meu pai nos encontrou? Não fazia sentido, já que ela nunca mudou de nome ou de endereço há quase trinta anos.
- Por que agora? - questionei, me levantando da cadeira. Eu andava de um lado para o outro do escritório, tentando raciocinar sobre tudo que estava acontecendo.
- Sua mãe fez um acordo com o seu pai... - era nítido vero desconforto de Franz, ao falar sobre o meu pai.
- Que tipo de acordo? - parei de ficar andando de um lado a outro e coloquei a não na cintura, ainda mais intrigada.
- Que assim que completasse trinta anos, assumiria os negócios da família. Todos os seus estudos foram pagos pelo seu pai para seguir os passos dele.
Não. Eu não queria seguir o caminho de Enzo Mazzini. Na verdade, tudo que eu queria era distância de tudo que envolvesse a máfia. Já que o negócio da família Mazzini era facilitar a entrada de armas e drogas no país.
- A senhora deveria ter me falado, mãe. Eu teria ido para o mais longe possível daqui...
- Ana, eu sei disso. Sou uma mãe muito egoísta, que não quer sua filha longe. Só de pensar, já me deixa de coração apertado....
- E agora veja onde estamos... Como vou resolver essa situação? Meu aniversário é em dois meses! - resmunguei angustiada - vim parar dentro de uma história escrita por Shakespeare....
- Me ofereci para proteger a sua família, Ana... - Franz começou a falar, mas logo rebati:
- Como um chefe mafioso, vai me ajudar com o meu pai que também é mafioso? Isso soa tão irônico e engraçado.... - eu não sabia se sorria ou se chorava.
- Digamos que farei isso por sua mãe... E pelo o que tivemos no passado.
- Ana, eu preciso que você esteja em segurança... - minha mãe começou a falar.
- Mas quanto a senhora e a Lolla? Como vou me sentir segura, se vocês duas não estão?
Franz parecia impaciente com os meus questionamentos... Só quê naquele momento, era a minha vida e a da minha família em jogo.
- Sua mãe e irmã vão estar seguras em outros local, Ana. O fato de vocês serem separadas, é pela segurança delas... - então, eu era o motivo delas estarem correndo perigo? O enjoo ficou cada vez mais forte. - Enzo não quer saber se é a sua mãe ou qualquer outra pessoa. O objetivo dele é ter você entre os Mazzini, e para isso, ele vai passar por cima de quem quer que seja. E provavelmente, você já tem um noivo a sua espera, para continuar a linhagem da família.
Levantei ainda mais nervosa. Em um mundo com bilhões de pessoas, logo o Enzo Mazzini tinha que ser o meu pai. O pior era que eu tinha rezado tanto para que a minha mãe falasse sobre ele, que agora eu gostaria de voltar no tempo e dar um belo tapa na minha cara para parar de ter desejado isso. E ainda por cima, ter um casamento arranjado? Nunca! Eu me casaria por amor. Jamais para "manter a linhagem da família"... eu não era uma animal puro sangue, se bem entendi, para poder se tratada como tal.
Isso soava tão nojento.
Porém, os Castello não se davam bem com os Mazinni. A relação de ódio entre as famílias já vinha se séculos atrás, quando uma tentava controlar toda a cidade.
- Nova Iorque é muito obvio... - disse Franz em um tom pensativo. - A melhor opção será ir para o Texas. Tenho uma propriedade que é bem vigiada, e enquanto estiver lá, o seu pai não vai poder quebrar o acordo que tenho com ele... - antes mesmo que eu o questionasse, ele já foi tirando o celular do bolso interno do terno e ligando para alguém para explicar a minha chegada. A pessoa do outro lado parecia irritada com a novidade - NÃO ME INTERESSA O ESTEJA FAZENDO! - eu nunca tinha visto nada igual a voz imponente daquele homem. Dava para sentir toda a sua autoridade e imponência. Acha que Franz não consegui chegar onde chegou, se tivesse sido o tipo bonzinho. - Você tem duas horas para organizar um quarto digno de princesa, Vincenzo!
- Vamos, Ana... Precisamos pegar apenas o necessário. Fechar tudo e partir - minha mãe já foi logo tirando o avental e andando em direção a escrivaninha, abrindo a gaveta e tirando de lá uma arma. Ela parecia outra mulher, menos a dona Inessa que eu convivi durante os meus quase trinta anos.
- A senhora tinha uma arma todo esse tempo?! - o choque eu minha voz era nítido.
- Nem sempre fui boazinha, minha filha. Nem sempre. A arma das Delmondes nunca deve sair de perto. Fui uma tola em achar que conseguiria persuadir seu pai a esquecer esse trato maluco...
- Agora não temos mais tempo - resmunguei frustrada. - para onde as levará, Franz?
- Quanto menos você souber, melhor, Ana. Seu pai pode usar sua mãe e irmã para convencê-la a aceitar o destino que não quer. Enzo é muito bom no que faz.
- E Lolla, como vamos explicar tudo para ela?
- No momento, não temos tempo para explicar mais nada. Se os homens do Mazzini nos alcançarem, surgirão complicações. Sua irmã vai ser inteirada depois. Já têm dois carros do lado de fora esperando, precisa se apressar... - avisou Franz, olhando o relógio em seu pulso.

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Mafioso Irresistível ( Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora