Capítulo XIII

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Saí do carro e me deparei com o café. Por que ele havia me levado até lá? Samuel abriu a porta, entrou, e eu entrei em seguida. Quando não há nenhum movimento, o café não parece o café Girassol que eu conheço. Mas gosto desse ar mórbido que a noite o atribui. Samuel me guiou para uma pequena salinha que havia na parte de trás do café, aonde ficava uma escada, e diferente da que levava para o andar de cima, essa levava para o terraço. Quando cheguei em cima, agarrei meu corpo apertando-o com força por conta do frio, fiz isso com um sorriso leve, o frio é realmente muito gostoso.

No terraço, há apenas a iluminação da noite, alguns vasos grandes de mármore com girassóis e perto da mureta há um sofá balanço. Quando o vi me enchi de um sentimento nostálgico. Alguma espécie de ar de criança e dor de adulto. Cheguei mais perto e comecei a tocá-lo involuntariamente. Passei a mão por cima dos detalhes de girassóis desenhados pelas barras de ferro. Me sentei. Era aconchegante. As almofadas eram vermelhas e macias. Minha memória me fez divagar. Depois de uns minutos, senti Samuel sentar ao meu lado e sua mão tocar o meu braço. Só quando ele me tocou que eu percebi que estava chorando.

-Você está bem? - perguntou, colocando um cobertor quente sobre minhas pernas e me entregando uma xícara de chá.

-Sim. - falei, sorrindo para ele. Aquele meu velho sorriso triste e cansado. - Você percebeu o meu sofá balanço em minha varanda? - tomei um gole do chá.

-Sim. Te traz lembranças? - ele bebe seu chá.

-Quando eu era pequena... - enxuguei o rosto com a manga do meu vestido - à noite, eu e minha mãe costumávamos nos sentar lá e conversar. Estranho não é? - olho para ele e sorrio - Normalmente uma mãe lhe contaria histórias para dormir, mas a minha só... conversava comigo. Coisas banais do dia a dia. Era o tipo de conversa que eu amava, mesmo tão nova. Minha mãe nunca me escondeu nada, ela sempre me disse sobre nossa situação e sobre como eu deveria agir ou como ela deveria agir. Sempre tivemos honestidade uma com a outra... - percebi uma leve contração de lábios em Samuel quando eu falei isso, mas ignorei - Foi naquele balanço que eu passei horas chorando com ela e lhe contando o quanto meu coração doía por ter sido uma idiota com quem me amava. - bebo outro gole de chá. - ela simplesmente me abraçou e disse que um dia eu entenderia que tudo acontece por um motivo e por isso não devemos nos agarrar a dor e desistir de procurar o que perdemos. "O motivo pelo qual perdemos algo." Eu realmente não entendi naquele dia e talvez ainda não entenda... - me recostei no balanço.

-Sua mãe parecia ser alguém bem interessante. - ele também se recosta. - queria ter tido a sorte de conhecê-la como meu avô teve. - sorri com sua declaração.

Tinha uma outra coisa que eu precisava dizer. Tentei preparar meu coração para falar desse assunto com outra pessoa novamente. Senti a brisa fria correr pelo meu corpo. Coloquei a xícara de lado no chão e esperei meu coração se acalmar para que as memórias não me bombardeassem com muita força.

-Fizemos esse tipo de coisa até os meus 17 anos. Uma tarde, cheguei em casa animada para contar a minha mãe sobre os meus projetos e os de Nicholas para iniciarmos nossa carreira. Eu já havia escrito meu primeiro livro e pretendia publicar em breve, e Nicholas estava com os planos de montar a empresa de jogos. Avistei minha mãe sentada no balanço, ainda com a roupa de trabalho e dormindo. Ainda com aquele avental do café, com aquele Girassol estampado na frente. - sorri com a lembrança - Não quis acordá-la e me sentei ao seu lado. Olhei para o céu, o sol estava se pondo e suas cores eram intensas naquela tarde. Encostei a bochecha no ombro nu da minha mãe e senti sua pele fria... - fiz uma pausa, sentindo aquela sensação de novo - estava fria demais. Olhei para minha mãe e ela não se mexia, chequei sua pulsação e não havia nenhum sinal de vida, seus lábios estavam secos e sua pele estava dura. Internamente, eu estava desesperada e meu rosto estava horrorizado, mas minhas ações eram às de alguém calma. Chamei-a e obviamente fiquei sem resposta, liguei para Nicholas e lhe falei o que estava acontecendo friamente, depois liguei para ambulância. Os médicos me disseram que foi um colapso. Bem, era natural para alguém preocupada e trabalhadora como a minha mãe, ela era assim desde o dia que aquele homem nos deixou. Acho que nunca vivi um momento mais desesperador como aquele. Em seu velório não havia ninguém além de mim, Nicholas e sua mãe. Minha mãe nunca me informou sobre outros parentes a quem eu deveria ter dado a notícia, provavelmente seja porque não há ninguém, pelo menos ninguém que se importasse. Não derrubei uma lágrima até o dia do enterro. Não queria. Eu achava que se não chorasse, poderia lidar melhor com a situação, mas o que eu não sabia era que eu precisava sentir aquela dor, porém, Nicholas sabia. Ali naquele lugar vazio e cheio de lápides onde minha mãe seria sepultada, ele me abraçou, e com os olhos transbordando, ele me disse que eu precisava sentir aquilo, porque conviveria o resto da minha vida sem ela, então, eu precisava chorar até sentir meus olhos doerem. Precisava sentir a dor. Foi o suficiente para que eu desabasse.

Quando parei de falar, senti um aperto no peito e um nó na garganta. Apertei minhas mãos fechadas contra o peito e respirei fundo. Esperei ele dizer o que as pessoas sempre costumam falar, algo como: eu sinto muito ou me desculpe, eu não sabia. Mas graças a Deus ele não disse nada. Só colocou uma mão sobre meu ombro e me puxou para junto de seu corpo apontando para cima.

-Te trouxe aqui por isso, - olhou para cima - seu irmão tinha razão, Amora. A dor precisa ser sentida e do mesmo modo as coisas bonitas também. Só é uma pena não ter sua mãe e meu avô conosco agora. Eu sei que os dois apreciariam isso tanto quanto nós, mas nós dois estamos aqui, vamos admirar e sentir por eles.

Quando olhei para cima, vi o céu mais iluminado que jamais vi em toda minha existência. Ele estava limpo e as estrelas pareciam tão próximas umas das outras que eu poderia jurar que estavam se tocando. As cores estavam fortes e claras ao mesmo tempo, aquele azul escuro era aconchegante. O brilho estava me invadindo e o aperto no peito se foi. As estrelas me cativaram e eu me senti dentro de uma delas. Fiquei tanto tempo entorpecida com a dor das minhas lembranças, que nem havia percebido a proporção magnífica que o céu se encontrava naquele momento.

Passei um bom tempo perdida naquela beleza infinita. Quando senti a mão de Samuel apertar meu ombro, saí daquele estupor. Me virei para ele, e ele me olhava admirado, como se as estrelas estivessem em mim, não no céu. Enrubesci. De novo, havíamos quebrado o espaço limite que eu mesma impus em minha cabeça. Analisei seu rosto admirado e sua boca entreaberta, comecei a ficar entorpecida novamente, mas em vez das estrelas era por ele. Tinha algo nos seus olhos que transbordava um sentimento desconhecido para mim. Naquele momento esqueci de tudo. Da morte inesperada da minha mãe, da dor incessante em meu coração por ter deixado o amor escapar, e da minha falta de criatividade para escrever um novo livro. Eu só estava sentindo um sentimento naquele momento e eu não queria sufocá-lo naquela hora.

-Vire o rosto. - pedi. Minhas bochechas estavam quentes.

-Por quê? - ele perguntou, acordando de seus devaneios.

-Vire de uma vez! - irritei-me.

Ele virou o rosto devagar. Tomei coragem e ergui meu corpo lhe dando um beijo demorado e suave em sua bochecha. O gosto era doce. Sua bochecha é tão macia, que senti vontade de mordê-la, mas me contive.

-Obrigada por me trazer aqui. - sentei-me de volta, virando meu corpo para que ele não olhasse para meu rosto corado e envergonhado. Não recebi resposta por uns minutos.

-O que vou fazer com você? - ele me abraçou por trás, de repente, e beijou os meus cabelos. - se continuar assim vou acabar amando você, Girassol. - falou, encostando sua bochecha em minha cabeça.

Meu coração disparou com tanta força que poderia senti-lo encostar em minhas costelas. Seus braços eram tão aconchegantes quanto à vista das estrelas, senti seu coração bater forte em minhas costas e isso me deixou feliz. Ele me apertou mais forte e senti algo quente atravessar meus cabelos e encostar em minha orelha. Ele estava chorando? Pude perceber que foram poucas lágrimas. Será que eram de tristeza ou de felicidade? Não sei, e não perguntei. Só queria ficar naquela posição por um tempo e sentir a conexão entre nós dois que estava correndo pelo meu corpo. Pelo meu coração.

Quando cheguei em casa de madrugada, ainda fiquei com a imagem linda das estrelas no céu em minha cabeça. Era lua nova, por isso elas estavam tão visíveis, mas não acho que esse é realmente o motivo pelo qual vi as estrelas naquela proporção. Talvez seja o fato de eu ter sentido uma sensação nova dessa vez, algo bom e novo.

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Oi pessoas, eu particularmente achei esse capítulo muito bonito
... Amora e Samuel estão criando uma conexão incrível, não acham? Bem, está aí o capítulo que prometi, espero que tenham gostado e até segunda... 😊😙❤

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