Chapter XXIII

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Onde ele estava, tudo o que conseguia ver era uma corrente extensa de chamas que iam e vinham pelas entranhas do mundo, circulando o centro do planeta como se fosse o sangue a passar pelo coração. E junto dessas chamas, ele era levado em todas as direções. Não sabia se era noite ou dia. Não sabia as horas, o mês ou ano... Não pensava em nada. O fogo o rodeava e aquela sensação era a melhor que já pode sentir.

Ali estava a salvo e protegido, ninguém poderia machucá-lo. Ninguém o olharia com desprezo e desgosto. Não veria os olhos castanhos daquela mulher que o odiava. As chamas entravam e saíam de seu corpo e elas sempre estiveram ali para protegê-lo.

Não queria que ele existisse...

Ele é só uma criança, ele não tem culpa de nada.

Ele via pela brecha da porta a morena e a ruiva conversando.

Eu não o queria... Eu não o quero.

Por que ela não o queria? O que ele tinha feito? Por que seu coração doía sempre que ouvia aquela mulher dizer aquilo? Por que seu coração doía todas as vezes que ela o olhava como se ele fosse a pior pessoa do mundo?

Eu não aguento mais essa vida... Não aguento mais ser assim.

Você precisa ser forte, ele precisa de você.

A morena agora conversava com a outra ruiva. A do cabelo cacheado que sempre brincava consigo.

Mas eu não o quero.

E aquela frase se repetia dia após dia.

Ele cresceu sem amor e sem carinho. A única pessoa que tinha por perto o odiava por ele ser quem era, e ele não sabia o que era e nem porquê era. Os dias sozinhos naquele quarto escuro o amedrontavam. Apenas a chama daquela pequena vela o aquecia, o protegia. O fogo sempre esteve ao seu lado.

Os dias passaram e ele pensou que tudo havia mudado. Ele conseguia fazer a morena sorrir, ele conseguia sorrir. Ela pedia para que ele fosse brincar lá fora, que conhecesse outras as pessoas enquanto ela passava horas sozinha em casa e, sempre que ele retornava, ela estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. Ela visitava o vulcão, ela falava com as duas ruivas, ela dizia que não o queria, que não queria aquela vida. Uma das ruivas brigava com ela enquanto a outra a abraçava e tentava confortá-la. E ele ficava atrás da porta, escutando tudo, e assim descobriu que os sorrisos daquela mulher eram falsos.

Você tem os olhos dele... Você tem o rosto dele.

Quem é ele? — O garoto perguntava.

Eu odeio os dois, eu não aguento olhar pra você.

Ele conversava com aquela mulher, e sempre que falavam "dele", ele ouvia palavras tristes. E ele passava dias e mais dias dentro daquele quarto escuro acompanhado da vela que quase não tinha tamanho, pois o fogo já havia derretido grande parte dela.

Naquela época ele só tinha dez anos e não sabia que viveria por mais quatrocentos e dez.

Um dia ele retornou a pequena casa, na pequena cidade que ficava perto daquele vulcão e, então o silêncio tomou conta de tudo. Aquela mulher estava ali, pendurada pelo pescoço em uma corda amarrada ao teto. Naquela noite a vela apagou. Ele não teve o fogo para protegê-lo. Ele correu mais do que podia aguentar. Passou dias andando pelo deserto que não sabia até onde poderia ir. Sua boca secou assim como os olhos que cansaram de chorar. Ele ainda viu um brilho vermelho explodir no céu e a terra tremeu. Tudo ao seu redor ficou quente, a fumaça começou a sair do vulcão e ele ouviu pessoas gritando ao longe.

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