Capítulo 17

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Capítulo 17 – Em silêncio 

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O ser humano é singular e não plural, cada um é um ser diferente do outro.”


Era uma guerra.
Ana estava no meio de uma guerra.
Seus pais a vigiavam do outro lado do quarto, através de uma parede de vidro, a garota permanecia deitada, não tocava na comida, não falava com os enfermeiros, não respondia a nenhuma pergunta e se recusava a ficar acordada mais que o necessário para ir ao banheiro e tomar banho. Ao contrário do que viveu a vida desde que se lembra, agora, Ana só queria dormir, e incitava os enfermeiros a injetarem sedativos toda vez que acordava. Aquilo acontecia há três dias, quando acordou num quarto diferente do seu e de qualquer outro que já teve.
As paredes eram cinzas e havia uma única que era completamente de vidro, mesmo que ela não conseguisse ver nada que havia do lado de fora, Ana sabia que podiam vê-la la dentro. Seus pais tentaram muitas vezes se aproximar da garota, falaram sobre saudade e o quanto estavam fazendo de tudo para as coisas se resolvessem, pelo menos no minutos que ela ficava acordada.
Mas não era como se Ana conseguisse entender alguma coisa, tanto por seu organismo cheio de drogas tanto por ela não saber o que exatamente tinha que ser resolvido.
Ela não vira Christian. O único que poderia faze-la entender, o único que ela se permitia escutar o suficiente para tal. Mas ele não voltou e seus pais pareciam ser alérgicos ao nome do médico.
Ana sabia que não estava mais em Priory, sua roupa azul  dizia aquilo e também o quarto sem qualquer coisa branca.
Ana não sabe em que momento havia acordado novamente,  mas seus olhos não se abriram e ela apenas continuou respirando regularmente.
_ E nossa filha tem que ficar aqui? Eu já estou cansada de ter que ter hora marcada para ver nossa filha. Já dois meses que não podemos ve-la, e agora só podemos fazer uma visita por dia e ela vive mais dormindo do que acordada – sua mãe sussurrou. – Imagino como deviam fazer o mesmo naquela clínica. Desde o começo falei que não concordava com isso, que ela não devia ir...
_ E o que iríamos fazer!? – seu resmungou no mesmo tom. – Hardware e Flynn deixaram claro que ela seria presa se não fosse para Priory.
_ Nossa filha não é louca para ir para uma clínica onde só tem esse tipo de pessoa, e essa Ala Z!? Você pesquisou? É o tipo de lugar onde colocam os piores pacientes, onde colocam crianças assassinas e psicopatas. Ana não é assim.
_ E como ela é então?
_ Nossa filha nunca matou ninguém!
_ Ela é agressiva, tem problemas em controlar a raiva e não dorme sem ter algo injetado nela. Isso é coisa séria e ruim, ela não é normal. Sempre soubemos disso.
_ Não importa! Não importa o que nossa filha tenha, não importa o que ela faça, ninguém deve tocar nela de forma tao suja. Aquele medico disse que estava cuidando dela, ele garantiu que tinha esperanças de que ela podia ter uma vida relativamente normal algum dia... agora vemos como ele estava cuidando dela. Meu Deus, como é possível? Quantas pessoas já podem ter sofrido naquele lugar!?
Raymond suspirou.
_ Christian Grey é um bom homem, foi criado por uma boa família e você sabe disso. Não Acho que seja fundado essas acusações.
_ Olha para nossa filha, Raymond, e pare de pensar em negócios pelo menos uma vez na vida! – Carla se irritou.
_ Negócios não tem nada a ver com o fato de que os Grey são boas pessoas. Não vou mentir e nem esconder que não acredito nessas coisas. E “eu não parar de pensar em negocios" é o que paga todas as contas de clínicas e as indenizações das pessoas que nossa filha já mandou para o hospital.
_ Você ouviu a gravação, ouviu o que nossa filha disse, ela falou de beijos, falou sobre como eles eram próximos... Eu não consigo parar de pensar nas palavras dela!
_ Eu também não, principalmente no fato de que vi mais sentimentos vindo da minha filha em meia hora de gravação do que nos últimos dez anos, de quando esse inferno começou.
Carla bufou.
_ Nossa filha tem sentimentos.
_ Ela tem raiva, isso nós sabemos que ela tem – Ray rebateu. – E o que ela demonstrou naquela consulta com Hyde, aquela gravação deveria ser uma felicidade para você também, ela esta se abrindo, se permitindo ter contato com outra pessoa, não importa se é o medico ou o faxineiro da clínica. Sinceramente eu ficaria feliz ate se ela tivesse sentimentos por outro paciente.
_ Não venha tentar me convencer de que esse Grey...
_ Não estou tentando te convencer de nada, Carla, eu apenas estou dizendo que não concordo com voce – ele falou de forma contida. – Não vejo as coisas por esse lado único e fechado que você insiste sempre em colocar nossa filha. Ela não é mais uma criança, não da para controlar suas decisões para sempre.
Ana nunca vira seus pais brigarem, talvez seja porque não se lembra de ficar tempo suficiente com eles para tal coisa. Mas aquilo ali era uma briga e estranhamente era a coisa mais normal que Ana fé a com seus pais desde os nove anos.
_ Ela não pode decidir, ela não tem escolhas, é nossa responsabilidade... – Carla interveio.
_ Não, você quer que seja assim. Você quer tomar as divisões por ela porque já está acostumada com isso.
_ Está querendo dizer que eu não quero que nossa filha melhore?
_ Eu quero dizer que está na hora de você olhar para um lado mais adulto, a Ana não é mesma desde que saiu de Port Land. Você só tem começar a perceber que isso é uma coisa boa e não ruim.
_ O que adiantou? Ela teve que ir para aquele lugar horrível para não ser presa, mas agora está aqui, num presídio para pessoas com doenças mentais. Como se a nossa filha disse louca ou algo do tipo.
_ Você exigiu que ela não ficasse mais em Priory, achou que eles a deixariam ir para casa? Depois do que ela fez com os enfermeiros na Clinica Sert? Nossa filha não está acima da lei, eu tive que pagar uma fortuna na cirurgia daquele homem para ele voltar enxergar e ate hoje pago a licença dele porque ainda não pode exercer a propria profissao.
_ Ela disse claramente que o médico  a beijou – Carla insistiu.
_ E também que ele a afastava. Você viu como ela falava sobre ele.
_ Ela parecia confusa na maior parte do tempo, isso sim.
Raymond suspirou alto.
_ Eu achei foi estranha essa gravação, tinha cortes e muitos tons confusos de Ana, ela parecia mais estar numa entrevista do que numa consulta. Sem contar que é proibida a gravação de qualquer coisa com a imagem dos pacientes.
_ É proibida muita coisa que aconteceu naquele lugar, Raymond, e você está preocupado com a gravação!?
_ Eu não disse- Filha, voce acordou – ele se interrompeu quando deu de cara com os olhos opacos e estupidamente azuis de Ana.
_ Minha princesinha – Carla murmurou sorrindo para a menina.
Ana mordeu o lábio inferior e Raymond se aproximou devagar quando os olhos da garota se encheram d’água.
Ela havia escutado cada palavra, ele sabia.
Raymond Steele era um pai atencioso, não era do tipo que lia histórias para dormir e levava a menina para a escola todos os dias, mas ele reservava ao Domingos para família, deixava Ana escolher o sabor da pizza das sextas a noite e escutava com atencao sobre cada detalhe dos desenhos dela, mesmo que fossem bonecos de pauzinhos e um sol com sorriso. Ana não se lembrava daquelas coisas, claro. Ferraram demais com sua mente para ela se lembrar de coisas boas antes de tudo desabar.
O que era uma pena, seria importante para ela lembrar que nunca esteve sozinha de verdade, que sua vida não fora apenas quartos de clínicas e sedativos, seria importante saber que seu pai sentia falta daquelas coisas, que sua mae queria sua garotinha de volta, mas seu pai a aceitava do jeito que era, do jeito que ela havia ficado.
Há realmente coisas que são tão bonitas, mas que machucam de um modo quase irreparável, como nadar no oceano enquanto está chovendo – é perfeito, mas você pode ser atingido por um raio com a probalidade de uns 99,9%; ir sozinho ao cinema ver um filme romântico – é uma paz, até que você começa a ver os casais se declarando ao seu redor; a neve ser tão intensa que recobre as casas e as arvores – é como se o mundo fosse feito ouro branco, mas só o pensamento de que existem pessoas no mundo que não tem como ter um cobertor e aquecimento, você se sente culpado só por achar bonito; a multidão de estrelas que aparece quando você está a quilômetros de distância das luzes da cidade – elas são lindas, mas aquilo quer dizer que você está muito longe de casa; pessoas nos bares depois das três da manhã – é o momento da honestidade, são as mais felizes e sinceras, mas não são coisas boas que acontecem para você está num bar de madrugada; as coisas que não sabemos sobre os outros... os sentimentos...
Os sentimentos de Ana eram tão bonitos, para qualquer que entendesse, seria como o paraíso. Uma garota que não sentia nada, estava sentindo ao extremo, era bonito... e perigoso. Ana sabia que havia algo forte, sentia algo que não podia explicar, nunca sentiu saudade ou falta de algo a ponto de ter os sentimentos num turbilhão sem  começo e fim. Mas ali estava tendo. Era uma luta unilateral. Era demais e machucava, mesmo que fosse bonito.
Ela não dizia nada enquanto havia uma guerra dentro de si.


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50 Tons de Uma SalvaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora