Melissa sentia-se tonta. O horário para o recreio parecia nunca chegar, as aulas se arrastavam. Mesmo tendo Alice mais uma vez colada ao seu ombro durante as aulas, sentia-se angustiada. Não sabia exatamente por qual motivo, e existiam vários. E quando parava para pensar, não sabia qual mais a incomodava. O pai nunca mais voltaria para casa, era fato. Miguel estava de volta em sua vida e ainda tentava assimilar a última bomba, o vizinho pedófilo. Aquele pai gentil e respeitoso que ela tanto havia admirado e até invejado um dia. Era muita coisa.
Quando o sinal tocou, Rafael já a esperava do lado de fora.
_ Oi amor. _ disse, tentando libertar a namorada da confusão de alunos que transitava pelos corredores. _ vem comigo.
Sentaram no gramado, sob a sombra de uma velha Grevília.
_ Parece que fui atropelada por um caminhão! – disse Melissa.
_ Me desculpa por ontem, eu não fui justo com você. Se você não gosta do Miguel deve ter suas razões. Eu não tenho o direito de exigir que você tolere o cara só por causa do namoro dele com a minha mãe. Eu sei como algumas pessoas bacanas podem ser insuportáveis com seus funcionários... Deve ser o caso dele. Foi mau.
_ É... Deve ser caso dele. Está tudo bem. Deixa pra lá.
Quanto menos falasse com o Rafael sobre o ex-chefe, melhor seria. Concordaria com o que fosse que ele acreditasse ter acontecido. Tentaria manter-se longe de Miguel e uma hora ou outra, com sorte, o namoro acabaria e ela teria paz novamente.
Sentia-se esgotada. Bem que gostaria de não trabalhar naquela tarde, nunca havia faltado. Mas conhecia bem o avô. O velho sempre cobrava atestado médico e ela não pretendia passar a tarde inteira num posto de saúde. Melhor tomar um banho, um pouco de coragem e ir para a loja de uma vez.
A mãe ainda não tinha mandado concertar a bicicleta atropelada. Na esquina de sua casa, Melissa esperava pelo próximo ônibus. A rua estava deserta, só se ouvia o latido dos cachorros da vizinhança. O sol aquecia o teto metálico do ponto de ônibus e a menina torcia para que não demorasse muito.
Então viu um carrão dobrar a esquina. Ele vinha devagar, encostando cada vez mais na calçada. Seria algum conhecido? Uma carona não cairia mal naquela tarde sufocante. O vidro era escuro e ela não pôde enxergar o motorista. O carro parou bem à sua frente, o vidro foi deslizando lentamente, podia ouvir o som do vidro escorregando pelo metal quente do carro.
_ Oi princesa. Quer uma carona?
Ela olhou assustada para os dois sentidos da rua, nem uma viva alma. O que ele queria?
_ Não, Miguel.
_ Entra aqui. Eu te levo.
_ Se você não acelerar esse carro agora e sumir da minha frente eu vou começar a gritar... Juro por Deus.
_ Que bobagem, não tem necessidade disso. Eu só quero conversar. Te dar uma caroninha.
_ Eu vou gritar...
Suas pernas estavam bambas, as batidas do coração ecoavam em seus ouvidos. Teria mesmo coragem de gritar?
Miguel acelerou de leve e o carro começou a sair do lugar lentamente.
_ Eu ainda te pego. – deu uma piscadela e sorriu.
O ônibus buzinou exigindo seu espaço e Miguel saiu em disparada, cantando os pneus. Ela nem percebeu como chegou ao seu destino. Não foi direto para o caixa. Estava sufocando. Algo crescia em seu peito e Melissa precisa ficar sozinha por alguns minutos. O banheiro feminino estava vazio. "Graças a Deus." Entrou às pressas.
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Muito prazer... Sou sua filha
RomanceMelissa é uma adolescente teimosa e inteligente, que vive sua adolescência na ingênua década de noventa. Numa rua arborizada da periferia, entre a escola, primeiro namoro, os amigos e as brincadeiras de rua comuns da época, ela cresce insistindo no...