Introdução

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Ano de 1.988. Aos doze anos ela sentia que algo lhe faltava, alguma coisa grande, não sabia exatamente o que, isso a atormentava. Era uma menina bonita, aparentemente uma típica criança suburbana, como muitas outras com quem ela convivia. Mas Melissa não se sentia como as outras crianças de sua idade, definitivamente.

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Havia algo que a inquietava, e isso a perseguia desde sempre. Não sofria bullying, não era intimidada ou reprimida, nada disso. Mas algumas situações eram, com certeza, responsáveis pela maneira como a garota sentia o mundo à sua volta, coisas que aconteciam aqui e ali. Pequenas coisas que cresciam dentro dela e se transformavam em constantes aflições.

Ela podia justificar todos esses redemoinhos internos como consequência pela ausência do pai em sua vida. Mas seria mesmo possível que apenas esse fato fosse tão determinante? Perguntava-se. Ela mesma conhecia muitos amigos na mesma situação, em piores até, e não se lembrava de dilemas nem parecidos com o seu. Parecia tão mais fácil para os outros. 


Estava sentada em sua carteira, terminava às pressas uma tarefa de matemática que havia esquecido. Mas a professora, por algum motivo não compareceu, e a aula de matemática foi substituída pela de Educação Artística.

─ Que saco! Se eu soubesse disso não teria me matado para terminar esses cálculos do inferno. É uma merda mesmo! ─ esbravejou para a amiga, colada em sua carteira.

Alice sorriu divertida.

Alice sorriu divertida

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─ Bem feito, quem manda ser tão esquecida? Eu fiz tudo adiantado."Grande novidade, sua CDF!". Pensou. Mostrou a língua para Alice. Ia dizer algo, mas foi interrompida pela professora.

─ Silêncio! Sem conversas paralelas. Vamos aproveitar a oportunidade dessa aula extra e preparar os cartões para o dia dos pais ─ bateu palminhas, toda animada.

Alice e a irmã gêmea, Ana Clara, olharam de imediato para Melissa. Tentaram em seguida disfarçar, sem sucesso. Melissa revirou os olhos.

─ Professora ─ disse Melissa ─ Eu posso sair da sua aula?

A professora pareceu surpresa e levemente insultada. Abriu a boca como se seu maxilar perdesse a sustentação, ficou um tempo assim, com as mãos na cintura.

─ Não... Mas é claro que não! E porque você deveria sair da minha aula, mocinha?

─ É sério. Não vou participar... De qualquer modo.

─ E posso saber por quê a senhorita não vai participar da minha aula?

─ Porque não vou fazer cartão nenhum. Ou seja, não vejo motivo para eu ficar aqui sem fazer nada.

"Ela não tem pai, professora"! Alguém gritou do fundo da sala. Alguns colegas riram, outros o repreenderam com sobrancelhas franzidas. A professora fingia não estar constrangida.

─ Mas você pode dar o cartão para outra pessoa... ─ disse com cautela ─ Um avô ou um tio. Sei lá. Sempre tem alguém. O que acha?

─ Eu não tenho ninguém para dar o cartão. 

─ Então dê para sua mãe.

─ Nada a ver...

Há essas alturas, os alunos haviam abandonado outras distrações e prestavam atenção demasiada na conversa, olhando de uma para outra.

─ Tudo bem. Acho que não tem problema. Está dispensada. Mas fique por perto ─ olhou para a turma à sua frente  ─ Alguém mais? Vou perguntar uma vez só  ─ ninguém se pronunciou.

─ Beleza! Valeu professora  ─ Melissa saiu apressada da sala.

A garota passou o restante da aula deitada num banco de cimento no fim do pátio, propositalmente, de onde não podia ser vista pelos colegas, tentando mais uma vez convencer-se de que não era a única a não ter um pai para entregar a porcaria do cartão

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A garota passou o restante da aula deitada num banco de cimento no fim do pátio, propositalmente, de onde não podia ser vista pelos colegas, tentando mais uma vez convencer-se de que não era a única a não ter um pai para entregar a porcaria do cartão. De que deveria voltar e participar da maldita aula, afinal. De que estava dando valor demais numa coisa boba. Ficou ali, olhando para as nuvens que mudavam de forma, para os galhos das árvores que dançavam ao vento de agosto, enquanto as pontas de seus longos cabelos roçavam o cimento empoeirado da calçada.

"Melissa, deixe de ser dramática! Até parece que você é a única garota do mundo que não tem pai. Está tudo bem... Tudo bem." Podia quase ouvir seus próprios pensamentos.

E mais uma vez, sem que ela pretendesse ou permitisse, visualizou em sua mente a mesma cena estranha de sempre. Se via apertando a mão de um homem, sem identificar suas feições:

"Muito prazer"... "Sou sua filha".

─ Mas que ideia idiota!

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─ Mas que ideia idiota!

Levantou-se num salto e caminhou lentamente de volta para a sala. A aula de geografia já devia estar começando.

Muito prazer... Sou sua filhaOnde histórias criam vida. Descubra agora