Um

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O ônibus fretado do Acampamento Lótus para na minha rua. Eu sou a última passageira, para infelicidade do senhor Sanches, que terá que refazer parte do trajeto. Se não fosse por mim, o ônibus já estaria no estacionamento. Eu lhe desejo um bom dia e arrasto minha mala até em casa. O carro dos meus pais ainda está na garagem, o que significa que eles ainda não saíram para o trabalho.

Paro antes de entrar, ouvindo o barulho de conversa e movimentação lá dentro. Eu senti saudades no mês que passei fora. Da minha casa, dos meus pais. Até da minha irmã que parecia destinada a testar minha paciência nesses últimos tempos. Mas era isso, a familiaridade me reconfortava.

Deixo a mala na entrada, indo para a cozinha, seguindo o aroma do café. Vejo Kaila debruçada sobre a mesa - aposto todas as minhas economias de que ela passou a noite na farra. Mamãe está passando o café, enquanto papai procura algo na geladeira. Me apoio no vão de entrada esperando alguém notar minha presença. É papai que me vê primeiro. Ele me abre um grande sorriso, aprofundando algumas rugas ao redor dos olhos. Sorrio de volta, indo para seus braços abertos.

- Hey, querida, sentimos sua falta - ele diz, beijando o alto da minha cabeça.

- Eu também, papai.

- Achei que voltaria só amanhã - mamãe aponta, também vindo me abraçar. - Por que não nos avisou? Teríamos ido buscá-la.

- Meu grupo foi embora ontem, eu queria ficar mais um pouco para ajudar os outros monitores, mas não tinha muito o que fazer, então peguei carona com o pessoal que voltou hoje. Eu não queria dar trabalho.

- Tão gentil da sua parte - Kaila resmunga na ponta da mesa, sem nem mesmo levantar a cabeça para me cumprimentar.

- Ah, não seja resmungona, Kai - digo, sorrindo. - Você sentiu saudades que eu sei. - Contorno a mesa e vou para perto dela. Abraço-o por trás e dou-lhe um beijo na bochecha.

Minha irmã sorri um pouco, e agradece o café que mamãe serviu. Meus pais se despedem de nós duas, e sigo para o quarto para guardar minhas coisas.

Há um contraste gritante entre o meu lado e o lado de Kaila. Enquanto minha parte está em ordem, a dela é uma bagunça total; roupas espalhadas pela cama, sapatos jogados de qualquer jeito pelo chão. Quase senti falta disso. Quase.

Deito na cama por um minuto, respirando fundo. Estou de volta agora e nem quero pensar nos assuntos inacabados que deixei por aqui. Salto da cama e me sento à escrivaninha. O computador demora um pouco para ligar e uso o tempo folheando minha agenda. Toco na capa roxa aveludada e gasta; restam poucas folhas limpas agora. Ganhei do meu avô quando entrei na Cesare Thorne.

Estavam todos tão orgulhosos. Eu passara as férias me preparando para fazer a prova de seleção. Cesare era uma escola particular conhecida como uma das melhores do país, meus pais não tinham condições para pagar as mensalidades, mas, por Deus, eu queria tanto!

Sempre fui consciente das condições financeiras da minha família. Minha mãe é professora infantil, e meu pai, mecânico, então, sem chances. Ou pelo menos foi o que pensei por um tempo, até meu pai aparecer com um monte de panfletos da escola e me perguntar sobre as bolsas de estudos.

- Vi no site, não sei se conseguiria passar - eu havia dito.

- É o que você quer, não é? Você é esforçada, tenho certeza de que consegue.

E eu consegui. Fora um dos dias mais felizes da minha vida, receber a carta de confirmação. Agora eu estava no último ano, e pensar em todos os esforços que fiz, saber que estava tão perto do meu objetivo final, me motivava a não desistir. Mesmo que parecesse impossível voltar no momento.

Cada Vez MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora