Dois

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— Calton — Theodoro grita por mim no corredor. Ele corre em minha direção, contornando o apinhado de alunos que estão saindo das salas. É quarta feira, acho que ele bateu o recorde de dias sem me perturbar.

Quando chega perto de mim, ele me abraça tão forte que perco o ar. Faço esforço para empurrá-lo para longe. Theodoro é muito inconveniente.

— Então, Calton, sentiu minha falta? — Tenho vontade de apagar seu sorrisinho debochado no tapa, mas me controlo.

— Com certeza — digo sarcástica. — Foi tão difícil ficar sem ver essa sua cara feia.

Ele ri das minhas palavras. Theodoro Devaze tem total ciência de que é bonito. Ascendência chinesa, olhos negros e cabelo do mesmo tom, divinamente bagunçado. E sem falar no corpo. Theo é... forte. Não seria diferente já que ele era do time de natação, o que lhe rendeu esse físico bem definido. Então, não, ele não tinha nada de feio.

— Oh, baby, mas agora eu estou aqui. Seu sofrimento acabou, sou todo seu — declara, enrolando uma mecha do meu cabelo no dedo. — Eu estive pensando...

— Que trabalhão deve ter sido para você.

— Agora que dispensou o idiota do Andreli, você não precisa mais esconder a atração grande que sente por mim — ele pisca para mim e dou um tapa na mão dele.

— Vai sonhando. — Começo a andar, pretendendo ir ao refeitório. Felizmente Theodoro não me segue. Eu viro para olhar para ele, ainda recostado no meu armário. — Cadê o idiota que você chama de amigo, hein?

— Ah, não, cara — Theo faz cara de choro. — Até você, Calton? Por que todo mundo quer um pouco do Ramone? O que ele tem que eu não tenho?

— Deus me livre! — Eu grito para ele, voltando a andar. Se Theodoro é babaca, Antony Ramone é rei da categoria.

— Você sabe que me ama, Emilia. Não adianta resistir — ele grita de volta, conforme me afasto.

Alguns alunos riem da nossa conversa e me controle para não sair correndo. O refeitório é dez vezes pior que os corredores. O barulho de conversa é quase ensurdecedor. Eu procuro minha mesa de sempre e estou indo para lá quando vejo Henri e Analu numa mesa ao lado.

Se as coisas fossem como antes, estaríamos todos sentados na mesma mesa. Henri e Flora eram do grupo do jornal, Austin e eu, do conselho estudantil, e Analu fazia parte do grupo de teatro. Reservávamos o almoço para passar um tempo juntos, já que na escola, quando não estávamos em aula, passávamos a maior parte do tempo com nosso grupo de atividades extras.

Flora participou da seleção comigo, a conheci em um dos dias de prova. Ela já conhecia Analu, então formamos um trio. No grêmio, conheci Austin, que logo se tornou um grande amigo. Um tempo depois ele passou a almoçar com a gente — desconfio que ele esteve interessando em Flora desde essa época.

Henri se juntou a nós um ano mais tarde, quando veio estudar aqui e passou a fazer parte do jornal também. Parecia uma visão muito errada ver os dois em outro lugar. Analu não olhara para mim em nenhum momento desde que as aulas começaram, mesmo nós tendo classes em comum. Já Henri, eu tentava evitar a todo custo, desviando o olhar nas vezes que nos encontramos nos corredores.

A verdade era que eu não queria falar com eles. Dói demais pensar no que tinham feito. Mas vê-los não dar nenhuma importância para a situação também machucava.

Flora e Austin ainda não chegaram, e pondero sobre esperar por eles fora daqui, quando sinto um empurrão no ombro.

— Se não vai entrar, saia do caminho.

Cada Vez MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora