Dezenove

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Acordo antes do despertador, mas não me levanto. Permaneço deitada na cama encarando o teto. O que é um desperdício de sono e tempo. Eu poderia estar aproveitando o fato de não ter aula e me dar o luxo de dormir até mais tarde, ou poderia já ter levantado e ido ajudar minha mãe a preparar o café da manhã.

Mas meu estado atual não me permitia nada além de olhar a esmo e pensar na noite de ontem. Mas especificamente nos beijos de Tony. A volta para casa tinha sido silenciosa e constrangedora. Pelo menos de minha parte. Claro, ele tentou preencher o silêncio e puxar assunto, mas desistiu quando me notou monossilábica. Descartei a ida para a tal sorveteria maravilhosa.

Eu estava confusa e só queria ir para casa, ficar quieta e pensar. Tony insistiu em me acompanhar até a porta e levar a culpa por nosso atraso, caso meus pais estivessem esperando, prontos para reclamar. Mas não estavam. A casa se mantinha escurecida, então era provável que ambos já tivessem ido deitar.

Me apressei a dar tchau e entrar em casa. Não houve mais beijos, apenas acenos de cabeça amigáveis. Porque era o que nós éramos: amigos. Eu tinha decidido a não deixar os acontecimentos dessa noite interferirem nisso.

Kaila se remexe na cama ao lado soltando alguns resmungos. Decido, por fim, que é hora de levantar. Após passar no banheiro e trocar de roupa, vou para a cozinha e encontro meu pai. Ele está debruçado sobre alguns papéis e a calculadora. Não nota de primeira que estou aqui. Verifico as horas; são 9h35.

— Bom dia — falo, anunciando minha presença.

— Bom dia, filha. Dormiu bem? — Faço que sim com a cabeça e me aproximo para depositar um beijo em sua bochecha áspera pela barba rala.

— Estamos bem? — eu pergunto, apontando para os papéis. São algumas contas mensais e de cartões, percebo.

Ele junta tudo e afasta para o lado, para que eu não veja. Estreito os olhos. Papai sorri para mim.

— Tudo em ordem, não se preocupe. Não sou dono de nenhuma rede de restaurantes bem sucedido, mas consigo manter minha família — graceja.

Reviro os olhos. Não vejo porque colocar a família de Antony na conversa. Ele deve estar querendo me distrair. Hoje em dia nossas finanças estão bem melhores, mas eu não me importaria de arranjar um emprego e ajudar nas despesas. Mas meus pais não aceitam, para eles eu devo me focar apenas nos estudos.

— Então, como foi seu encontro? — Sorrio diante do seu interesse. Tanto ele, como mamãe, sempre nos deixaram a vontade para falar de nossos interesses nos garotos.

Com papai eu ainda me mantinha um pouco constrangida, mas isso passou depois da história com Henri. Ele me deixou chorar em seu ombro por bastante tempo, depois me arrastou para a cozinha e me fez esperar enquanto preparava chocolate quente. Ele sempre fora um bom ouvinte.

— Foi divertido. — Dou de ombros enquanto me sento na outra ponta da mesa. — Mas não imagine demais. Somos apenas amigos.

Que se beijaram. Muito. Mas é melhor deixar este detalhe de fora. Ele realmente não precisa saber.

— Não vai trabalhar hoje? — pergunto logo, antes que ele queira se estender no assunto.

— Hoje não. Preciso apanhar algumas peças amanhã, então troquei o dia.

Franzo a testa. Mas amanhã é...

— Mas o senhor nunca trabalha no dia do aniversário de morte do vovô — aponto.

Meu pai respira fundo e cruza as mãos sobre a mesa.

— Eu sei, mas estamos com prazo apertado na oficia. Vou tentar chegar mais cedo, então podemos preparar o jantar e assistir um filme. O que acha?

Cada Vez MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora