Oito

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Pondero sobre dar meia volta e ir embora. Alguns carros iam e vinham no trânsito agitado. Do outro lado, nos prédios que rodavam quase todo essa parte da cidade, era possível ver silhuetas se movimentando pelos cômodos dos apartamentos.

O vento frio bate no meu rosto, descontrolando as mechas já secas do meu cabelo. Fazia uns dez minutos que Kaila me largara aqui. Eu havia aceitado seu suborno emburrada, vestido um jeans surrado e uma camiseta de mangas compridas, já imaginando o frio. Só queria ter jantado antes, estava morrendo de fome, mas Kai não me deixou refletir muito sobre o que estava concordando em fazer, para que eu não voltasse atrás.

Meus pais estranharam, claro. Mas Kaila disse que eu iria encontrar uns amigos, então acredito que tenham deduzido se tratar de Austin e Flora.

Fui largada na praia com nada além do celular. Eu não tinha nem dinheiro para apanhar uma condução e voltar para casa! Me sento em um dos poucos bancos de pedra distribuídos pela parte cimentada antes do nível da areia. Alguns casais trocam carinhos em bancos por perto, há também outras pessoas sentadas sozinhas, assim como eu. Iluminados pelas luzes dos postes.

Checo a hora na tela do celular outra vez. São quase oito. Eu não sabia dizer se os amigos de Antony estavam realmente por aqui, ou se isso tudo fazia parte de um plano para tirar uma com a minha cara... Tampouco estava afim de ir descobrir.

Se eu seguisse pelo lado esquerdo da praia e caminhasse até as altas pedras dispostas bem afastadas da área mais frequentada de Alvim, encontraria os resquícios de fogueiras antigas e os bancos envelhecidos pelo tempo e a maresia. Se veria o pessoal por lá, eu já não tinha tanta certeza assim.

Solto uma respiração pesada. Eu devia estar em casa. Teria jantado, estaria colocando minhas leituras em dia, já que não tinha nenhum livro obrigatório do clube. Verificado mais uma vez as datas de envio dos testes e as inscrições para a IUM, talvez. Mesmo as datas estando marcadas bem grandes na minha agenda.
Era sempre bom manter atualização.

Ergo a cabeça quando uma sombra me cobre parcialmente. Um dos caras solitários por ali se aproximou. Ele senta ao meu lado, sem cerimônia. Me movo um pouco mais para a ponta do banco. O homem — aparentando estar faixa dos 30 anos — sorri para mim. Ele usa barba grossa e óculos escuros no topo da cabeça. Quem anda por aí de óculos escuros a noite?

— Já faz um tempinho que você está sozinha por aqui. Estava me perguntando se não está perdida. — O tom jovial dele não combina em nada com a sua voz grave.

Reprimo o instinto de correr, repetindo um mantra na cabeça para que meu cérebro se comporte.

Está tudo bem, está tudo bem.

Não há de acontecer nada. Não é como se o homem fosse me atacar com testemunhas presentes. Ele só está sendo gentil. É só isso.

Aperto forte o celular com as duas mãos e movo minhas pernas sutilmente, verificando se tenho controle sobre meu corpo tenso. Se posso me mover, serei capaz de me defender se for preciso, não é?

— Não estou perdida, só esperando uma pessoa — digo, tentando firmar a voz.

O homem dá uma risadinha, que eu odeio assim que sai de sua boca, e inclina um pouco a cabeça, me olhando, avaliando meu rosto. Olho para frente, esforçando-me para me concentrar no mar bem lá na frente.

— Tem certeza que não levou um bolo? — ele tenta brincar. — Não para de encarar o telefone. Quer que eu dê um jeito em quem te deixou esperando?

Eu quero que você saia daqui, é o que penso. Mas falo:

— Tenho certeza. Ele já deve estar vindo — minto.

Cada Vez MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora