Vinte & Nove

4.2K 575 148
                                    

Rosales é uma cidade pequena.
Fica uns vinte minutos de distância de Valêncio, mas o trânsito não estava cheio, então conseguimos fazer o trajeto em cinco minutos a menos.

Não há um nome fixo para o parque — apesar de ser um dos pontos principais da cidade —, mas todo mundo o chama de Parque do Lago. Era o lugar especial do meu avô, foi aqui que ele conheceu vovó, onde a pediu em casamento alguns anos depois... Nós sempre dávamos um jeito de passar um tempo aqui, fazendo piqueniques, andando de bicicleta. É para esse lugar que vimos quando sentimos saudades dele também.

Tiro meus sapatos quando desço do carro e os deixo no banco junto com a bolsa. Quero sentir a grama entre os dedos, quero lembrar da época em que eu corria descalça por aqui, sem preocupações. O sol está alto no céu e ergo o rosto para inspirar o ar puro. É bom poder respirar.

Antony toma minha mão enquanto me segue para meu lugar favorito. O parque está quase vazio por conta do horário e agradeço por isso. Caminhamos sem pressa, nos afastando dos bancos, dos equipamentos de exercícios e dos brinquedos para as crianças. Árvores rodeiam o lugar, mas há poucas deles em frente ao lago. É onde minha família e eu costuma ficar, onde meu avô gostava de ficar.

Aponto para uma das árvores com a mão.

— Esse é meu lugar favorito — conto, nos aproximando da sombra.

Antony sorri.

— Eu podia jurar que era a escola.

— Ela ocupa o terceiro lugar — brinco, passando a mão pelo tronco da árvore. Três vezes para dar sorte, como dizia vovô.

Antony se acomoda, sentando na grama e escorando-se no tronco. Ele me puxa para perto dele, me fazendo sentar entre suas pernas, e apoio minha costas em seu peito. Levo uma de suas mãos para o meu colo, a mão machucada pelo soco na parede. Não está enfaixada agora, mas a pele ainda não sarou totalmente.

Resolvo falar, porque estar assim, tão próxima a ele, me faz lembrar do sonho, e pensar no sonho me traz de volta a sensação do pesadelo, e quero desesperadamente esquecer.

— Eu era uma criança ativa, sabia? — revelo a Antony, encarando o lago mais a frente que brilha por conta dos raios de sol. — Gostava de correr, não parava quieta. Quando meu avô me trazia para cá e cansava de ficar correndo atrás de mim, ele apontava para o lago e me chamava para ver os patos.

— Patos? — Antony questiona confuso. — Nunca soube que tinham patos por aqui.

— Não tem — afirmo, sorrindo diante da lembrança. — Era o jeito dele de me fazer parar. Ele dizia que eu tinha que ficar quieta para que os patos aparecessem. Eu fui uma criança amante de patos por um tempo. Caia no papo dele toda vez.

Antony ri, apoiando o queixo no meu ombro. Eu sinto a barba dele me furando pelo tecido da camiseta, o que me incomoda, mas tento ignorar.

— Deve ser bom — ele comenta. — Digo, ter lembranças assim.

Viro-me um pouco para olhar para ele. Antony me encara de volta. Seus olhos verdes avaliadores.

— Você não tem? — pergunto com cautela.

Ele faz que não e completa:

— Não foi uma infância infeliz, mas era meio solitária. Meu pai nunca estava em casa, os jantares eram silenciosos. Até meu irmão crescer o suficiente, eu brincava praticamente sozinho. Meus primos já eram todos mais velhos, não queriam um pirralho intrometido no meio deles.

Invoco a imagem de Antony criança, um garotinho tristonho por não ter com quem brincar. Não é legal, mesmo. Esse tipo de coisa sempre marca você, não importa a idade. Lembro-me com perfeição do medo de entrar em uma escola nova. Se não fosse por Flora, teria demorado bem mais para que eu me enturmasse.

Cada Vez MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora