Capítulo 6

346 45 0
                                    

Segunda-feira

POV Joalin

Quando aperto o tubo da pasta de dente, ouço a porta do carro de Shivani bater e o motor ligar. Hoje de manhã, ao acordar, pensei em pegar uma carona para podermos conversar, mas é melhor ainda manter certa distância. A rejeição sempre dói, mas ser rejeitada pela minha melhor amiga foi a pior coisa que podia ter acontecido. 

Shivani desliga o motor do carro. Olho pela janela. Ela está voltando para dentro de casa. Como a janela do quarto dela fica de frente para o banheiro no andar de cima, vejo quando ela tira o estojo do saxofone do armário. Quando eu era mais nova, escrevia recados com pincel atômico e segurava nesta janela para Shivani ler com o binóculo cor-de-rosa dela. Eu ainda tenho uma lata com pincéis atômicos na mesa, mas tenho certeza de que ela vendeu o binóculo em uma das feirinhas de garagem que a família dela sempre organiza. 

Enxáguo a boca e cuspo, enquanto ouço Shivani ligar o carro de novo. Segundos depois, ela desliga. Desta vez, bate a porta do carro. Eu me sinto mal por ela, mas não posso deixar de dar risada. Ela está convencida de que o que nós vimos no computador é a vida dela daqui a quinze anos. Por mais que eu quisesse acreditar que algo assim é possível, uma de nós precisa ser cética. 

Fecho a torneira e olho para fora. Agora o porta-malas está aberto e Shivani está jogando os tênis prateados de corrida por cima do estojo do saxofone. Ela bate a tampa do porta-malas com força, que volta a se abrir assim que ela se afasta. 

... 

Bato na janela do passageiro do carro de Shivani. 

– Posso pegar uma carona? 

Ela estende a mão e destranca a porta. Coloco meu skate entre os joelhos e ponho o cinto de segurança. 

Shivani dá marcha a ré. 

– Obrigada por ter ido lá em casa. 

– A noite foi difícil? 

Shivani assente. 

– Não estou a fim de encarar certas pessoas hoje. 

Fico imaginando se ela está falando do Bailey. O armário dele fica perto do meu, então vejo quando ele pega Shivani e os dois ficam se agarrando todo dia de manhã. 

Isso sempre me enche de alegria. 

– Quer dar uma passada no Sunshine Donuts? - pergunto. 

Shivani liga o pisca-pisca. 

– Com certeza. 

Um quilômetro e meio depois do parque Wagner, Shivani encosta na frente da caixa cor de laranja do alto-falante e pede um café com leite e açúcar e uma rosquinha de canela. Eu peço uma rosquinha com glacê e um leite com chocolate. 

– Não entendo – diz Shivani, enquanto avança.

Ainda tem dois carros à nossa frente antes da janela em que vão nos entregar o pedido.

– Como foi que isso aconteceu comigo? 

– Não que eu esteja acreditando nessa coisa de futuro – digo –, mas não faço a menor ideia da razão para brincar com o seu futuro, dizendo que era péssimo. Você é muito inteligente e... 

– Obrigada por tocar nesse assunto – interrompe Shivani. – Mas eu não estava falando do fato de o meu futuro ser péssimo. Estava falando do site todo de modo geral. Como é possível ler a respeito de algo que ainda não aconteceu? 

O carro à nossa frente encosta à janela. Enfio a mão no bolso de trás e ofereço algumas notas amassadas de um dólar para Shivani, mas ela empurra meu dinheiro. 

– No começo, achei que fosse o CD-ROM – diz ela –, mas talvez seja a ligação com o telefone que fez alguma coisa acontecer durante o download. Você se lembra daquele eletricista que trocou a fiação lá de casa? 

– Você acha que ele ligou você ao futuro sem querer? – pergunto, tentando não dar risada. – Mas, bom, isso foi há meses. 

– Mas eu ainda não tinha computador. Talvez a gente deva levar o computador para a sua casa para ver se o site funciona lá. 

De jeito nenhum. A gente não pode começar a correr de uma casa para outra mais uma vez. 

– Mas isso não ia servir para explicar como aconteceu. – diz Shivani. – Nem como a gente consegue ler sobre coisas que acontecem daqui a quinze anos. 

Aponto para fora da janela, para os carros que estão passando. 

– Se você quer que eu me meta nessa história, vou lhe contar minha teoria. Sabe que o vice-presidente Gore chama a internet de "superestrada do futuro"? Vamos dizer que todos andem na mesma direção, nessa superestrada. A viagem no tempo estaria relacionada a encontrar uma maneira de pular para um ponto diferente. 

O carro à nossa frente se afasta. Shivani vai até a janela e então entrega o dinheiro para a mulher do Sunshine. 

– Então, você acha que o site, de algum modo, deu um salto para a frente? 

A mulher entrega nossas bebidas a Shivani, que as passa para mim. Coloco o copo de isopor com café no suporte do carro, para que ela possa pegar o saco com as rosquinhas. 

– Sinceramente, só estou tentando entrar na sua – digo. – Continuo achando que é uma pegadinha. 

Não conversamos muito no caminho até a escola. Quando entramos no estacionamento dos alunos confiro o relógio. O sinal vai tocar daqui a três minutos. 

– Sei que arrastei você para essa história toda – diz ela, virando-se no banco para ficar de frente para mim. – Mas estou um pouco magoada por você não levar mais a sério. Se você visse o seu futuro e ele parecesse horrível, não acho que você ia desprezar tudo isso assim tão rápido. 

– Mas não é real – respondo. Amasso o saco das rosquinhas e enfio no meu copo vazio. – Que tal a gente tentar entender essa história toda depois da sua corrida? Talvez a pessoa que fez o site escreveu o seu nome errado em algum lugar ou colocou uma data errada. Vamos encontrar algo. 

– Por que você precisa tanto provar que é uma pegadinha? – pergunta Shivani. 

– Para parar de se preocupar. A sua vida vai ser ótima. 

Shivani olha no espelho retrovisor e então se vira para mim. 

– Joalin, antes de você voltar à minha casa ontem à noite, achei mais uma coisa naquele site. 

A maneira como ela olha fixo para mim me dá calafrios. 

– Se alguém está fazendo uma pegadinha comigo – completa ela –, então também está fazendo uma pegadinha com você.

The future of us {shivlin version} Onde histórias criam vida. Descubra agora