Pov-clarissa....Quatro anos antes
Esta manhã, eu pulei da cama cedo. Quero observar o mar e esse é um momento só meu! É hora de me vestir às pressas, pegar meu livro favorito, uma toalha de praia e sair sem ser vista. Toda minha família dorme. A casa está escura ainda e, ao passar pela cozinha, pego uma maçã dentro da fruteira que há em cima da mesa.
Assim que abro a porta, um vento gelado corta meu rosto e joga meus cabelos para trás. Ah, Clarissa! Por que você nunca se lembra de pegar um casaco? Cresça! Você já tem quatorze anos! Suspiro alto e dou de ombros. Agora é tarde e a natureza não espera.
Estou passando o início das férias na casa de praia que pertence a minha família. A construção fica no alto de uma colina e, à noite, podemos ouvir o som das ondas do mar batendo nas pedras. As casas vizinhas ficam bem distantes umas das outras, o que torna o lugar perfeito para quem quer fugir da rotina da cidade grande. Eu amo essa casa, eu amo esse lugar!
Escolho um lugar na areia para que eu possa me sentar a uma distância suficiente para que as ondas não me alcancem. Estico a toalha e sento, colocando o livro sobre ela e dando uma mordida na minha maçã. No horizonte, uma linha alaranjada começa a se formar no céu, dividindo a escuridão da noite com as águas do mar. Mais alguns minutos... e o sol nascerá magicamente. Como eu amo assistir a esse belíssimo espetáculo!
Avisto gaivotas voando baixo, procurando alimentos. O azul começa a fazer companhia para o laranja no céu. E lá vem ele, o majestoso rei do dia!
Termino de comer a fruta e coloco o miolo ao lado da toalha para jogar fora depois. Minha professora de Biologia jamais me perdoaria se soubesse que eu sonhei em emporcalhar a areia com a minha falta de educação... Eu consigo ser bem mal educada, às vezes, no sentido literal da palavra! Meu lado ogra adora deixar roupas emboladas, toalha molhada em cima do colchão, cadernos e livros espalhados aos pés da minha cama. Coitada da Bastiana! - minha ex-babá e administradora das tarefas domésticas da minha casa.
Deito na toalha e abro meu livro favorito, que já li incontáveis vezes. Suas páginas estão amareladas, a orelha marcada e não há mais espaço para minhas anotações. Sim!!! Eu sou uma ogra quando quero! Mas não me importo porque tenho outro exemplar novinho em folha, que exibo com orgulho, numa das prateleiras do meu quarto. Esse, sim, é o exemplar de uma leitora que usa marcadores e que não empresta aos amigos nem para que eles possam sentir o cheiro do livro novo. Os opostos dentro de uma só pessoa. Essa sou eu.
Passo a ponta dos dedos pela página do meu antigo livro, já envelhecido pelo tempo e sorrio de mim mesma. Eu posso ser patética quando quero também e, para isso, é só falar de amor. Eu sou romântica demais! Sonho demais! Amo estar em contato com a natureza, olhar o mar, sentir o perfume das flores, pensar em... jace.
Jace... Onde ele está? Por que não me dá notícias? Por que nunca me escreveu? Uma carta para mim, só para mim! As cartas que ele manda direcionadas aos meus pais, não contam. Eu quero poder ler meu nome com a letra dele no envelope; saber que está pensando em mim enquanto escreve; que se importa em me dizer algumas palavras depois de tantos anos ausente, depois de tantos anos sem me dizer que eu sou sua garotinha e que ele vai me amar para sempre.
O simples pensamento em jace faz meu coração pular de agonia. Não há a menor condição de continuar a leitura depois desse turbilhão de sentimentos contraditórios que me invadem. Jogo o livro de lado e sento, abraçando as minhas pernas e pousando minha cabeça nos joelhos.
Quantos sentimentos podem habitar o coração de uma garota! Quantos sonhos podem ser possíveis! Quantos dramas internos dentro de uma só criatura! Todo meu corpo se modifica a cada dia. Minha cabeça não acompanha bem essa mudança, muito menos meu coração. Dizem que são os hormônios e eu não consigo entender como essas substâncias invisíveis são capazes de causar tanto estrago em uma só pessoa!
Além de jace, minha família é, um outro problema frequente em minha vida. Não toda a família, só metade dela. Meu pai e Alec, meu irmão mais velho, não se enquadram nesse aspecto. Mas minha mãe e Izabele , minha irmã do meio, são meu principal ponto de conflito. Eu, a caçula temporã, sou o alvo delas no quesito descontar a raiva! Às vezes, eu revido. Mas na maioria delas, me calo e sofro sozinha no meu canto.
Meu pai, o Dr. Luke, é médico e muito atarefado. Eu o amo incondicionalmente, mas ele não dispõe de muito tempo para dedicar a nossa família.
Alec é treze anos mais velho do que eu e está seguindo os passos do nosso pai na carreira. Sem dúvidas, é muito dedicado, talentoso e um irmão maravilhoso para mim. Depois que jace, nosso ex-vizinho e melhor amigo dele desde a infância, se foi, Alec se dedicou totalmente aos estudos e abandonou um pouco a vida de bares e mulheres oferecidas.
Minha mãe, a D. Jocelyn, é uma pessoa de temperamento muito difícil. Ela sempre me trata com indiferença e não esconde de ninguém as suas preferências maternais. Papai e Alec não gostam que eu fale mal dela, mas acho que sua principal preocupação é ser fútil, gastando o dinheiro do meu pai com tudo o que brilha.
E eu... Ah, eu sou apenas a filha rejeitada! O patinho feio da família! A ovelha negra que ninguém quer perto, mas não sabe como se livrar. Muitas vezes, me sinto humilhada e isso só aumenta minha raiva. Tenho vontade de sumir! Respiro fundo e tento conter as lágrimas. Dói muito esse sentimento todo de rejeição, de abandono... Mas de tanto ouvir que não sei me vestir e me comportar, acabo me convencendo de que sou feia o suficiente para não atrair nenhum garoto. O que para mim, não faz muita diferença, já que tudo o que eu mais quero na minha patética vida é o amor de jace. Não o amor de irmão que ele sempre me deu, mas o amor que um homem sente por uma mulher.
Quando me eu olho no espelho, não vejo nada além do que uma menina sem graça, triste, baixinha para a idade, usando óculos fora de moda e aparelho nos dentes. Aff. Por que a vida tem que ser assim? Por que não sou bonita igual às modelos de capas de revista e às atrizes de televisão? É tão injusto ser... comum.
Como posso um dia conquistar um músico e empresário que sai em capas de revistas internacionais sendo tão... eu? Novo suspiro. Sinto arrepios pelo corpo, apesar do calor do sol já ter começado a esquentar a minha pele sensível. Afundo os pés na areia, escondo as mãos sob as mangas da blusa e fico mais algum tempo a contemplar a paisagem; procurando me libertar da tristeza e me esquecer, mesmo que por uns momentos, as minhas carências familiares e as minhas constantes inquietações.
- Um tostão por seus pensamentos... - Alec se aproxima sem que eu perceba e acaricia a minha cabeça. Olho para ele assustada. - Desculpe, não quis assustar você.
- sorri gentil como sempre. - Oi... - digo com ternura. Como amo o meu irmão! Ele consegue despertar o melhor que há em mim. - baixo os olhos e não sei o que responder. Há tanto para ser dito e, ao mesmo tempo, não há nada.
Alec se senta ao meu lado, abraça as pernas do mesmo jeito que eu. Eu não preciso dizer muita coisa, ele sempre sabe o que estou sentindo!
- O que está se passando nessa cabecinha? - me empurra com o ombro e sorri.
- Nada... - digo com desânimo e me distraio riscando a areia com uma pedrinha.
Mesmo de perfil, posso sentir meu irmão me fitar com preocupação. Ele está sério, me encarando. Levanta a mão direita, aproximando-a do meu rosto e faz um leve carinho. A seguir, coloca uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha. Mais uma vez, baixo os olhos, envergonhada por parecer tão ridícula por nada.
- Sinto que algo está aborrecendo você. - levanta meu queixo, me forçando a encará-lo e me olha nos olhos - Tem estado com o olhar triste... Essa não é a Clarissa cheia de vida que eu conheço!
Continuo muda, mas meus olhos queimam por segurar as lágrimas. Eu odeio chorar! E não, não vou bancar a menininha do irmão mais velho! Está mais do que na hora de eu crescer e encarar meus os problemas.
- clary... Eu volto a trabalhar segunda-feira. A gente não vai se ver até acabarem as férias do papai. Que tal você me dar a chance de ajudar? - faz uma cara de desalento. - O que foi? É a mamãe, não é?
Pronto. Era o que eu estava precisando para desabar. Por que Alec tem que mexer na minha ferida aberta? Por que não respeita o meu momento de não querer dizer nada? Não quero conversar, mesmo que seja com ele. Reacende no meu peito a chama da raiva e sinto vontade de gritar. Seguro a onda, mas respondo secamente.
- Ela não fez nada, Alec Aliás, ela nunca faz nada. Não por mim. - esfrego com força as mãos no rosto para secar as lágrimas que descem sem minha permissão. Raiva! Raiva! Raiva! Meus sentimentos não combinam com esse lugar que eu amo estar! Mas onde mais eu poderia pensar sobre eles?
- Ei... - meu irmão tenta me abraçar e eu o rejeito com as mãos.
- Por favor, Alec não... Não faz isso ou vai me deixar pior. - balanço as mãos como sinal de protesto.
- Olha, clary... - se vira para mim novamente e continua sua tentativa de me consolar. - Sei que a mamãe e a Izabele costumam não serem muito delicadas com você. Sei que não é fácil. Mas, você tem a mim! - aponta as duas mãos para o próprio peito, fazendo uma cara engraçada, o que me faz rir. - Isso, assim... viu?! Agora, sim! Você nasceu pra sorrir! - fica sério de repente e completa. - Você sabe que sempre poderá contar comigo, não sabe, minha bonequinha?
Bonequinha?! Sinto o sangue subir para minha cabeça, mas não vou brigar com meu irmão! Não posso ser grosseira com a única pessoa que tem tempo para se preocupar comigo. Será que ele não consegue enxergar o quanto eu sou uma menina feia, sem sal e desinteressante? Não é à toa que Izabele me coloca apelidos horrorosos. Respiro fundo e tento não parecer tão irritada com o comentário dele.
- Sei disso, Alec. Obrigada. Você e o papai são as únicas pessoas no mundo com quem posso contar... Mas, estou longe de ser uma bonequinha! - olho para o infinito e balanço minhas pernas como se eu fosse niná-las, típico de quando estou irritada e tentando me acalmar.
- Se tem tanta certeza que pode contar comigo, por que não me conta o que está chateando você? - meu irmão não se dá por vencido. Como ele pode ser insuportavelmente preocupado quando quer! Ele sabe como eu me sinto, então... falar para quê? Se ainda mudasse alguma coisa... Mas, não. Só dói.
Percebo que Alec quer me ganhar pelo cansaço. Continua aguardando que eu diga o que está me atormentando. Tento pensar em algo para dizer sobre o assunto sem parecer tão direta, mas as palavras fogem.
Ganho tempo por alguns segundos com o olhar perdido no tempo e no espaço e ele ainda está lá, teimoso como uma mula. Ou eu falo alguma coisa ou ele nunca vai me deixar em paz!
- Alec você me acha feia? - solto a frase como se cuspisse uma espinha de peixe que atravessa minha garganta. - Falo de beleza física... De corpo! Não me venha com papinho de interior e blá blá blá... Meu irmão me olha assustado.
Com toda certeza ele esperava essa pergunta. Não foi pego de surpresa. Observa atentamente meu rosto. Analisa minhas roupas largas, o meu cabelo bagunçado e sorri. Ele sorriu?! Como assim ele está rindo de mim?! Uma nova onda de raiva me invade.
- Está vendo?! Não devia ter te perguntado nada! - cruzo os braços e fecho a cara com tanta força que sinto doer o maxilar.
- Não é nada disso, clary! Olha, você pode até não atender aos padrões de beleza estabelecidos para as passarelas ou coisa parecida, o que para mim não é nada saudável... Já viu quantos casos de meninas morrendo de anorexia e bulimia ultimamente? - diz parecendo sincero, mas eu não dou ouvidos.
- Blá... blá... blá... - digo lentamente enquanto faço caretas.
- É sério, Clarissa ! Desse jeito como posso conversar direito com você? Para de ser infantil!
Opa. Agora sim. Agora ele me coloca de volta ao meu lugar. Ao meu eixo. Quem é Clarissa na fila do pão sem o apoio total de Alec ? Baixo os olhos e me desculpo. Infantil. Criançona. Não posso ser tão injusta! Ele só está tentando ser um irmão amoroso que deseja ver a irmã feliz... e bem informada sobre o índice de meninas-mortas-pela-falta-de-ingestão-de-alimentos-contendo-nutrientes-indispensáveis-ao-organismo! Aff... Saco. Ninguém merece!
- Então vamos ao ponto, Alec ! - tento não parecer irritada, mas acho que não sou bem sucedida. - Responda a minha pergunta! - Deixe-me terminar! - meu irmão literalmente não tem limites nos discursos morais.
- Cada um tem a sua maneira de ver a beleza... Quem impôs esses padrões? Quem os estabeleceu? E por que essa imposição de alguém que não conhecemos significa tanto? - toca meu rosto com um sorriso no canto dos lábios. Eu desisto. - Se toda essa tristeza é para me perguntar se a sua beleza irá influenciar no interesse de um garoto por você, eu digo: sim, vai. Mas esse encantamento pela beleza é passageiro, clary! O que conta de verdade é a companhia, o amor, o carinho, a dedicação que recebemos de quem a gente gosta. Na verdade, é essa beleza que conta.
Continuo muda. Mas o que ele fala me toca profundamente.
- A beleza do corpo um dia acaba. A de dentro, não. - meu irmão acaricia meu rosto mais uma vez e levanta meu queixo para que eu possa encará-lo. - E você, minha irmãzinha, é uma das meninas mais lindas que já vi, por dentro e por fora. Acredite nesse velho irmão!
Abraço meu irmão com força. Sinto em meus braços a minha rocha, meu ponto de apoio, meu porto seguro. Ainda abraçado a mim, Alec acaricia minha cabeça.
- E tem mais um detalhe: um dia, você vai se apaixonar por alguém; essa pessoa vai dizer o quanto é linda e essas palavras terão um significado ainda mais especial do que as minhas!
- Amo você, Alec . - digo num sussurro, colada ao abraço dele.
- Também amo você, clary... Daria o meu mundo para não vê-la chorar.
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doce inocência (clace)
RomanceClarissa é ainda muito jovem quando precisa lidar com o primeiro grande problema -aparentemente clichê: o amor platônico por jace um homem mais velho, músico e melhor amigo de infância de seu irmão. Todo seu drama pessoal Na tentativa de escond...