Epílogo

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Luna

Sempre fiquei nervosa em primeiros dias de aula. Em todos. Primeiro dia do jardim de infância, primeiro dia do primeiro ano do fundamental, primeiro dia do último ano da escola.

E aqui estava eu, caminhando tão devagar como se tivesse medo do chão quebrar e me engolir. Talvez fosse o que eu queria. Um buraco para entrar e não sair nunca mais.

Estava tão nervosa. O meu primeiro dia na faculdade. Uma faculdade em outro país, onde só conhecia uma pessoa, onde eu passaria alguns anos da minha vida. Poderiam ser os melhores ou os piores anos da minha vida.

De repente, parada ali, em meio à todos os alunos tão empolgados, entrando, sorrindo e festejando, eu me dei conta... percebi onde estava e pensei em tudo que fiz para estar aqui.

Todas as noites quando sentia minha cabeça quase explodindo de tanto estudar e repetia para mim mesma "Vai valer a pena".

É, valeu a pena.

Mesmo assim ainda estava nervosa, era um novo capítulo da minha vida começando. Um em que eu tinha liberdade e poder de escolha sobre minha decisões. Nada estava me prendendo. Era uma cidade nova, diferente. Pessoas diferentes. Situações diferentes.

Eu estava prestes a se tornar uma garota diferente. Mais madura, talvez. Mas principalmente uma que aprendeu que eu podia ser independente e que meu amor próprio bastava naquele momento, então estava tudo bem. Uma garota que aprendeu a controlar seus medos, que aprendeu a não fazer tantos planos e que as coisas saíam do controle as vezes. E isso era bom.

Depois de terminar o intercâmbio em Londres, quando fevereiro chegou, eu voltei para o Rio de Janeiro e passei o mês com meu pai, a Clara e o Matheus. Foi tudo bem, na verdade, foi... tranquilo. E então, no outro mês, comecei a mudança para Nova York. Conheci o apartamento que minha mãe me deu e o carro também. E se eu, mesmo sem habilitação, saí dirigindo sem rumo à noite para espairecer, ninguém precisa saber.

O apartamento era um lugar bem decorado, espaçoso e... acomodador, eu acho. Os móveis eram cinzas, as paredes brancas e alguns detalhes de dourado. Assim que alguém entra é possível ter uma visão ampla da sala e da cidade, já que uma grande parede de vidro estava instalada ali. Seguindo a esquerda dá a passagem para um quarto não tão grande, como um escritório, ou uma sala de estudos que foi no que eu transformei. À direita, uma porta dá o acesso para a cozinha, com coisas que eu nunca usei antes de ir para lá, mas que aprenderia a usar. Seguindo pelo corredor, mais duas portas, um banheiro com uma pia grande, chuveiro e banheira. Pela outra porta, meu quarto, com uma cama de casal (por mais que fosse só eu), uma varanda na qual eu podia ler observando a cidade, espelhos por todo o lado, uma enorme estante de livros e uma outra porta dentro do quarto que dava acesso à um closet.

A acústica do lugar era ótima. Descobri isso porque em uma noite, em uma das primeiras lá, fiquei cheia dos pesadelos com minha mãe, saí da cama e liguei o som nos amplificadores que ficavam na sala e comecei a dançar observando as luzes da cidade pela parede de vidro e, talvez, tomando um pouco de vinho. E descobri que o som não saía do apartamento quando atravessei o corredor e desci um andar de pijama para chamar o Matheus, que mesmo com sono veio atrás de mim e me fez desligar a música, parar de beber e me colocou para dormir. Sem segundas intenções.

Certo, o apartamento era grande, caro e localizado em uma das melhores áreas de Nova York, com criminalidade baixa quase inexistente, bons restaurantes e cafeterias e, com o carro, demorava pouco tempo para chegar na faculdade, dependendo do trânsito. Eu não me sentia tão deslocada, porque sempre cresci em áreas assim, mas ainda sentia que eu não merecia tudo isso, várias pessoas não tem nem metade e conseguem tudo por puro mérito. Mas, teria que ser assim até eu juntar meu próprio dinheiro e talvez comprar um lugar para mim, o que seria difícil porque eu não queria deixar o lugar que minha mãe deu para mim. Seria algo para pensar no futuro, e mesmo que não fosse me mudar, nunca é ruim ter economias.

O trabalho, meu trabalho, eu consegui no mês de maio, mas só começaria depois das férias de verão. Acontece que, por causa de ter tido experiência com a senhora Fionce em Londres, ela conseguiu com que me transferissem para a empresa localizada em Nova York, por mais que eu ficasse em uma posição menor do que estava antes, nada mais do que o justo, já que eu havia começado à pouco tempo.

Mas o curso se estendeu nas férias de verão, o que me fez ficar na cidade nesses três meses. O curso, começado em Londres, pôde ser transferido para cá também, e eram só vinte minutos do apartamento. As aulas eram de segunda a quinta, começando às oito da manhã e terminando uma hora da tarde. O curso também me deu créditos quando comecei na faculdade, fazendo com que eu ficasse adiantada em algumas matérias e poupando outras, o que ajudou.

Eu e o Matheus ficamos bem amigos, assim como com a Emma, que também estava na cidade, porém em outro bairro. Ele me ajudou a tirar minha habilitação, que não foi necessário esperar até meu aniversário já que nos Estados Unidos já podíamos dirigir depois dos dezesseis. Íamos em restaurantes, festas e no final da semana sempre ajudávamos um ao outro com uma limpeza geral dos dois apartamentos. No entanto, ele passou as férias de verão com a família no Brasil, para aproveitar os meses antes da faculdade começar.

E a Emma também se tornou uma visita contínua no prédio, sendo no meu apartamento ou no do Matheus. Ela foi uma boa amiga para mim e praticamente morava comigo, porque passava bem mais noites lá do que em seu apartamento, que ela dividia com mais quatro pessoas.

Eu e a Clara não nos distanciamos, sempre conversávamos quando eu estava indo para o curso no começo, e depois quando estava indo para o trabalho ou para a faculdade. No final do dia também, quando dava. E ela veio para cá em julho e passou o mês comigo.

Não falei mais com o Theo, para ser sincera. Nós concordamos que seria melhor assim, e foi. Ao longo do ano eu conheci alguns garotos, mas foram coisas extremamente casuais, só para liberar o estresse dos estudos. Ele estava seguindo a vida dele e eu a minha, estava bom assim.

E... meu deus... eu estava amando toda aquela experiência. No começo foi muita coisa de uma vez só, morar sozinha, trabalhar, estudar, limpar, cozinhar... mas depois que eu consegui estabelecer uma rotina ficou melhor. Claro, era cansativo e as vezes eu tinha vontade de desistir de tudo, mas tudo valeu a pena no final.

Mas naquele primeiro dia eu estava tão nervosa que quase não entrei no prédio. Mas então senti alguém segurando minha mão, me dando o conforto e a segurança que precisava para continuar andando.

Era ela. Minha mãe, bem ao meu lado. Fazia tantos meses que não sonhava com ela. E poder olhá-la sorrindo orgulhosa por mim, me apoiando mais uma vez (mesmo que não seja com ela realmente aqui), me fez sentir algo tão bom e... reconfortante.

-Você vai se sair bem. Você sempre se sai bem.

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