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Abro a janela do quarto abruptamente. O calor do sol aquece minhas bochechas. A brisa abafada da manhã chacoalha meu cabelo e os fios fazem cocegas em meu rosto. Sorrio.

A lembrança de que dia é hoje me atinge como um soco. Meu estomago se contorce. Minhas mãos passam pelo batente da janela até caírem ao lado do corpo. Será um longo dia.

Um longo e irritante, dia.

O dia do sorteio chegou e pela primeira vez corro o risco de ter meu nome sorteado. Espero que seja o primeiro e último ano dessa possibilidade, não pretendo passar por essa tensão novamente. Muito menos encarar as feições esperançosas da minha família.

Uma esperança burra.

Metade da vila acredita que o torneio seja a salvação, mas a outra parte tem consciência de que é impossível uma raposa ganhar de um leão ou uma fênix. Além de que, precisaria ganhar dos outros competidores dos outros clãs também. É perca de tempo criar esperanças. Mas logo tudo isso terá terminado e estaria de volta em casa.

— Vamos Mina, não podemos nos atrasar. — Minha mãe chama do andar de baixo.

— Mãe? — Indago. Corro até a beirada da escada e pulo vários degraus.

Encontro-a parada na frente da mesa da cozinha. Uma mulher alta, com pouca massa corporal e várias cicatrizes e queimaduras nos braços devido ao trabalho nas forjas. Seu cabelo ruivo desce até a cintura com perfeitas ondulações. Minha mãe sempre foi vaidosa.

Abraço-a com força e ela retribui o carinho.

— Não sabia que estaria em casa hoje. — Digo.

— É o dia do sorteio, Mina. Ninguém trabalha hoje. — Ela estampa um sorriso carinhoso.

— E o meu abraço? — Meu pai pergunta do outro lado da cozinha.

— Pai! — Exclamo e corro para os seus braços.

— Você precisa comer, minha filha. Já está quase na hora de sairmos. — Minha mãe fala.

Assinto positivamente.

Sento em frente a mesa e em poucos minutos como tudo o que ela colocou para mim: um copo de leite e uma maça. Minha barriga pediu mais assim que acabei, mas a ignorei.

Troco de roupa em poucos segundos: uma camisa de botão de segunda mão — mesmo sendo a roupa mais nova que tenho — uma calça marrom e suspensórios da mesma cor. E é claro, meus óculos de aviador.

Os tais dos aviadores sequer existem mais, nunca vi um. Mas soube que eram muito comuns na Terra 1. Os óculos que tenho são uma relíquia! Apesar de James ter dito que na verdade são um modelo antigo que usavam nas forjas há algumas décadas.

Prefiro pensar que eles sobreviveram a uma viagem da Terra 1 e que eram de algum piloto muito habilidoso.

— Onde conseguiu os suspensórios? — Cassie pergunta assim que entro na cozinha de novo. Não nós vimos desde a discussão do dia anterior. — Roubou?

Fico corada.

— Não. Senhor Ademir me deixou ficar com eles. — Respondo sem graça.

A expressão de Cassie se suaviza.

— Que história é essa de roubo? — Minha mãe pergunta entrando na cozinha.

— Roubo? Que roubo? — Rio nervosa enquanto esfrego minha nuca com a mão. — Não tem roubo nenhum mãe.

— Está tudo bem mãe. — Cassie fala e me fuzila. — Não somos ladrões.

Fico feliz por Cassie não ter me dedurado, mas ela não precisava ter acrescentado a última parte. Sinto o peso de suas palavras como um tapa na cara e penso de novo nos pães do dia anterior.

AscendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora