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Andrew pronunciou meu nome como um mal agouro inevitável.

Não consegui raciocinar direito nos primeiros minutos.

Mãos calejadas apalparam meu corpo até conseguirem agarra-lo. Ergueram-me do chão, fui levada como se estivesse a deriva na água e o balançar das ondas fosse meu guia. As pessoas gritaram e cantaram de alegria, algumas até dançaram em um canto mais afastado do ponto de acesso. As canecas de metal retumbam o verdadeiro entusiasmo. Isso é difícil de acontecer. Era um mito, na verdade. Mas enfim uma raposa foi escolhida novamente.

Infelizmente essa raposa sou eu.

Algumas pessoas não comemoram, não esboçam um sorriso sequer, apenas fazem um sinal que lhes fora ensinado anos atrás demonstrando solidariedade por mim e para espantar o mal agouro.

A consciência de que isso é real me atinge de forma destruidora. Chacoalho desesperada, até que as mãos que me carregam não aguentam mais e deixam meu corpo revolto no chão. Levanto desajeitada, assustada com tantos olhos me encarando. As pessoas falam meu nome, apontam para mim, sussurram. Olhares ávidos. Minhas mãos tremem. Algumas pessoas se aproximam de mim e me afasto delas, tropeçando nos meus próprios pés.

Preciso sair daqui.

Minhas pernas ganham vida de repente. Saio correndo pelo meio da multidão. Algumas empurro com as mãos, mas a maioria das pessoas saem da frente quando me veem correndo.

Meus pés me guiam automaticamente para o caminho que conheço há muito tempo. Não presto atenção no percurso.

Só consigo parar de correr quando já estou rodeada por imensas árvores no meio da floresta alta. Não há casas, pessoas, pontos de acesso ou qualquer holograma idiota. Arfo com as mãos nos joelhos. Meu diafragma doí com a respiração descompassada e acelerada. Acho que vou vomitar.

Seco o suor do rosto e caminho mais devagar. Não é difícil achar a trilha que eu mesma abri até meu mirante particular na ponta do morro. Poucos minutos caminhando e chego a beira. Um lugarzinho em que as árvores se espaçam entre si e o sol pode pintar a grama de dourado. Sento na beira do morro e deixo os pés balançarem na direção do penhasco. Daqui de cima é possível ver grande parte da vila das raposas. Gosto de matar aula aqui, porque desse ângulo tudo parece menor.

Tento relaxar. Forço minha respiração a voltar a normalidade, a controlar-se. Fecho os olhos com força como se isso impedisse meus pensamentos surgirem. Por mais que tente me concentrar, é inútil.

Os pensamentos explodem de uma vez só. São inúmeros. Opostos. Confusos.

Minha família deve ter ficado feliz com o sorteio, eles queriam tanto. A vida na Vila das Raposas é simples, sem luxo qualquer. Por vezes falta comida na casa e somos obrigados a dormir de estomago vazio, já me familiarizei com esse tipo de dor. Eu deveria estar feliz com o resultado, feliz por ter uma chance de mudar a vida da minha família...

Mas mesmo com a vida difícil, prefiro passar todos os dias perto de Cassie e James do que ter que embarcar em uma jornada sozinha ao Torneio de Honra. O Torneio é imprevisível. As mudanças me assustam. Muitas pessoas desconhecidas, de lugares desconhecidos. Lugares os quais só ouvi falarem, são como se fossem lendas. Casas que não são como as que conheço. Costumes diferentes. Eu não faço ideia do que há além dos limites da Vila da Raposas.

A ideia de estar sozinha no meio de tantas coisas estranhas e desconhecidas é assustador, é...

Levanto com raiva. Não consigo relaxar.

Ando de um lado para o outro, pisando duro.

— Dentre tantas pessoas, por que você tinha que me escolher? — Falo encarando o solo. — Estou tão desesperada que estou falando com um planeta!

AscendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora