Reencontros

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Pov. Lucrecia

Eu recobrei consciência algumas vezes antes de realmente conseguir ficar acordada e entender o que tinha acontecido. Eu estava viva, tinha sido socorrida a tempo, sei que deveria estar feliz, mas não conseguia não me sentir decepcionada. Nada tinha mudado, ainda me sentia sozinha e presa num vazio tão intenso que me fazia querer chorar compulsivamente e gritar por socorro.

Não fiz nada disso, não adiantaria, não me surpreendi de perceber que estava sozinha no que parecia ser uma UTI, estava com uma máscara de oxigênio no rosto, que eu logo tirei, e outros aparelhos registrando meus batimentos e um soro na minha veia. Meu instinto era tirar tudo aquilo de mim e fugir, correr para qualquer lugar onde eu pudesse me esconder tempo suficiente para ser esquecida.

Antes que eu tivesse tempo de fazer qualquer uma dessas coisas uma enfermeira se aproximou recolocando a máscara no meu rosto e me explicando pausadamente, como se eu fosse uma retardada o que tinha acontecido.

- Lucrecia, meu nome é Martina! Sou uma das enfermeiras da UTI, que tem cuidado de você. Você está no Hospital Universitário de Madrid, porque teve uma overdose. Seus pais já estão a caminho para ficar com você, sei que a máscara é incômoda, mas sem ela seu nível de oxigênio fica muito abaixo do ideal. Vamos mantê-la então, certo? - Acenei simplesmente porque não queria ouvir nem falar com ninguém. Fechei meus olhos ciente de que fugir dali não seria nem um pouco fácil então se eu queria realmente acabar com tudo de uma vez teria que esperar um pouco mais. Segurei minhas lágrimas nos olhos e tentei dormir, não queria encarar meus pais depois que eu fiz, se eles soubessem ficariam tão envergonhados.

Senti a mão da minha mãe antes dela falar qualquer coisa, acho que tinham anos que ela não me tocava e confesso que me surpreendi ao perceber que não desgostava do toque, mas era estranho, parecia algo falso e por isso não abri meus olhos, não queria falar e se ela souber o que eu fiz?

- Filha, minha pequena, imagino que você deva estar cansada. Os médicos disseram que sua recuperação vai ser longa, mas que teve sorte, não deve ter sequelas graves, caso tenha alguma e é possível que nem tenha sequelas. Por que fez isso? Sempre achei que era você que instigava seu irmão a ser uma pessoa melhor, mas aparentemente não, acho que é um pouco minha culpa, nunca fui muito presente na sua vida, mas prometo que isso vai mudar. Você sempre foi uma menina muito boa e madura, mas ainda é uma menina e precisa dos pais por perto pra te ajudar nas escolhas e para te afastar das más companhias. Foi difícil para nós dois, mas a verdade é que Valério sempre foi um mau exemplo pra você e de agora em diante Valério nunca mais pisa na nossa casa, deixamos ele na sua vida tempo demais, e olha os estragos que ele fez... - Foi difícil, mas eu abri meus olhos. Precisava responder aquilo, tinha passado a vida inteira calada enquanto maltratavam o Val, e dessa vez não ficaria calada. Se tudo desse certo ele seria o filho que restaria, eles precisariam dele. Tinha uma frase pronta na cabeça, mas no fim só consegui soltar um sussurro baixo.

- Valério? ... está aqui? - Disse lutando contra uma sede terrível.

- Não, nós o avisamos, mas ele está ocupado no internato. - Respirei fundo segurando as lágrimas, quem eu estava querendo enganar? O fato de eu quase morrer não mudava a babaca que eu era e que ele tinha me superado. O tempo onde ele viria atrás de mim a qualquer custo tinha acabado. Eu sabia disso, por que é tão difícil ter certeza disso?

- Por favor água... - Minha voz ainda era fraca e irreconhecível. Ela me deu água de um copo com canudo do lado da cama, e tocou minha mão suavemente.

- Filha, eles querem saber como tudo aconteceu, quer me contar? - Não, eu não queria e conhecendo essa mulher ela também não queria. Uma overdose é uma coisa, agora uma tentativa de suicídio é demais para qualquer um deles. Montesinos são corajosos demais para fazer algo assim, isso é coisa de maluco, é o que ouvi minha vida toda. No fim sentia que não pertencia a essa família.

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