A Visita

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Pov. Samuel

- Precisamos colocá-lo lá dentro.

- E você espera que eu faça o que? Suborne o médico e o enfie lá dentro? - Disse Guzmán irônico.

- Se esse for o único jeito. - Falei atestando o óbvio.

- Tá maluco, Samuel? As coisas não são assim...

- Precisamos encontrar um jeito. Ele precisa vê-la. - Honestamente eu estava completamente sem paciência para explicar ao Guzmán, mas aparentemente se eu não fizesse isso ele não aceitaria ajudar. E infelizmente para colocá-lo lá dentro somente com a ajuda de um desses riquinhos do colégio.

- Não entendo, porque ele não pode esperar como todo mundo. - Guzmán parecia irritado e eu consigo imaginar o porquê. Para ele Valério sempre foi o irmão drogado que dava problemas para Lu, ele não tem ideia do que um significa para o outro, e não vou ser eu a revelar esse segredo.

- E se fosse a Marina? - Perguntei esperando que fosse o suficiente para convencê-lo.

- Isso é injusto...

- Guzmán, se fosse a Marina você não faria qualquer coisa para vê-la?

- Por que você se preocupa tanto, Samuel? Não sabia que era amigo da Lu. - Falou ele me atacando propositalmente, típico dele.

- Não, nunca fui. E olha o que aconteceu? Talvez eu devesse ser, ela sem dúvida estava precisando de alguém que realmente se importasse com ela ao invés de um namorado que prefere ficar correndo atrás de outra.

- O que você está insinuando? Se alguém tem culpa disso tudo é ele...

- Não foi um acidente, Guzmán. Lu fez de propósito, ela estava se sentindo...quer dizer estava tão sozinha que tentou se matar e nenhum de nós notou. Então, todos nós somos um pouco culpados, principalmente nós que assistimos ela se matar todos os dias e não fizemos nada. Não venha culpar o Valério, é a última coisa que ele ou a Lu precisam agora. Por razões que não são da sua conta simplesmente sei que ela precisa dele e ele dela. E não cabe a mim julgar ou tentar me fazer mais importante. Só quero que ela se recupere, só isso. Você não tem ideia do horror que foi ver os batimentos dela pararem. Não quero ver isso de novo nunca mais e eu faria qualquer coisa para garantir isso. Então, se você puder colaborar de alguma maneira eu agradeceria muito, caso não queira só vá embora...- Disse irritado e sem paciência para o egocentrismo do Guzmán.

- Você tem a cara de pau de me culpar de tudo isso, e ainda quer que eu te ajude? Lu nunca faria isso, nunca faria se nunca tivesse começado a usar drogas com o Valério, então sim é culpa dele e de mais ninguém aqui.

- Por favor Guzmán, eu não te pediria isso se não precisasse mesmo vê-la. Ela é minha meia-irmã, tudo pra mim e ainda que eu seja culpado, preciso ter certeza que ela está bem. Eu a amo mais do que tudo, mais até do que as drogas que eu uso, por favor me ajuda a vê-la. - Falou Valério saindo do transe, seus olhos estavam vermelhos e marejados e pedir aquilo logo para o Guzmán parecia humilhante, mas no fim qualquer coisa que garantisse que ele veria a Lu valeria a pena ser feita.

- Tudo bem, sei de alguém que pode nos ajudar com isso.

Guzmán não estava feliz ou completamente satisfeito com nosso pedido, mas concordou e é isso que importa. Ele claramente não entendia minha preocupação e a minha certeza de que Valério era o que Lu precisava nesse momento. Honestamente nem eu entendia e nem cabia a mim explicar qualquer coisa, não é da conta dele, nem da minha.

O alguém que podia nos ajudar com isso era ninguém menos que a Carla, seu pai já tinha doado muito dinheiro para o hospital e algumas ligações poderiam garantir a entrada do Valério. A princípio ela não concordou, não porque duvidasse da necessidade de Valério vê-la ou o contrário, Carla sabia da ligação entre eles e teria que ser um idiota pra não perceber como a partida dele estava associada a mudança de comportamento da Lu. Mas no fim saber disso não mudava a relação complicada que ela tinha com o pai desde que contou a verdade sobre Polo a polícia. Ligar para ele estava fora de cogitação, e o jeito foi tentar usar o seu nome diretamente com o diretor, o que acabou dando certo, conseguimos a permissão de realizarmos uma visita de quinze minutos com até duas pessoas.

Não contamos nada sobre a tentativa de suicídio, não que ela já não suspeitasse, apesar de não ser mais tão próxima da Lu, ela sabia que um descontrole acidental soava mais absurdo que uma tentativa de suicídio. Já estava arrependido de ter contado tudo a Guzmán, e pedi a ele que não comentasse sobre isso com ninguém, eu não devia nem saber daquilo e já tinha contado para outra pessoa. Ok, que não acho que ele concordaria em nos ajudar se eu não tivesse contado, mas não muda que revelei algo absolutamente secreto e pessoal.

Enquanto Carla e Guzmàn acertavam os detalhes da visita, eu fiquei na sala de espera pediátrica com Valério e Rebeka, escondidos dos pais de Lu. O silêncio chegava a machucar, Valério não dizia nada, parecia perdido no seu próprio mundo, nem chorar ele chorava mais, se mantinha apenas ali estático como um boneco de cera. A única certeza que entregava que ainda estava vivo era sua respiração desregular e apavorada. Eu só conseguia imaginar o que passava sua cabeça, eu mesmo não conseguia parar de pensar que precisava ver Lucrecia, precisava ter certeza que agora ela estava bem. O barulho da parada dela ainda estava na minha cabeça, e mesmo sem nunca termos tido nada eu só conseguia pensar que ela precisava sobreviver, não só pelo Valério, mas por mim também.

Meia hora depois, Carla veio nos chamar, perguntou quem entraria com Valério e eu disse que eu sem nem pensar duas vezes. Eu precisava vê-la, achei que Guzmán fosse criar toda uma situação, mas no fim ele concordou que no estado que Valério estava, eu seria a melhor pessoa para acompanhá-lo.

Entrei no quarto extremamente nervoso e receoso, não fazia ideia do que encontraria. Deixei que Valério fosse na frente no tempo dele, e de mais longe me permiti olhar para ela. Era um pouco assustador vê-la conectada a tantas máquinas, mas era também um alívio ouvir seu coração bater forte e de forma regular para variar. Sua respiração parecia mais tranquila e segurei a vontade de me aproximar e segurar sua mão. Não era meu momento. Talvez nunca mais fosse. Ainda que não tenha dito nada, pensei em muitas coisas que queria dizer e comecei a recitá-los mentalmente, como se de algum modo ela pudesse ler a minha mente.

- Nós nunca fomos próximos, Lucrécia, então acho que você deve estar surpresa de eu estar aqui, mas preciso que você saiba que nunca desejei de fato que aquilo que te disse acontecesse. Eu nunca quis que você se sentisse humilhada, e eu não te julgo pelo o que você teve ou tem com o Valério. Quero que você seja feliz e se for com ele, com Guzmán ou com qualquer um para mim não importa. Quero que sejamos amigos de agora em diante e que você sorria para mim de vez em quando. Pode fazer isso? - Pensei enquanto de longe observava seu peito subir e descer devagar, quase dava para esquecer as maldades que ela já tinha me falado e feito quando ela estava assim: frágil e indefesa. Fechei os olhos e rezei mais uma vez por Lucrecia, ela ficaria bem tive certeza naquele momento.

Me permiti focar minha atenção em Valério depois do meu momento e dava pra ver nitidamente que ele precisava mais dela do que eu. Ele estava destroçado, aliviado porque ela estava bem, mas preocupado com o que viria adiante, segurava sua mão com força e tocava seu rosto com muita delicadeza. Tentei não prestar atenção no que ele dizia e no que fazia, mas era difícil não olhar para ela, me sentia um idiota de tê-los julgado, o sentimento que eu via dele para ela, era puro e tão intenso, não conseguia mais julgá-lo.

Me sentia mais do que tudo confuso, não sabia explicar muito bem o que estava acontecendo, mas me sentia mais envolvido e preocupado do que deveria. Tentei tirar essa ideia da minha cabeça, ela não era Marina, e eu precisava parar de me envolver com mulheres que eu achava que poderia salvar.

No fim percebi que todas essas aflições eram bobas e sem sentido dentro do contexto. Valério precisava da minha amizade, nesse momento mais do que nunca, sentimentos e pensamentos como esse deviam ficar para outro momento. Além do que que deviam ser apenas uma preocupação pelo o que eu tinha a visto passar, não era nada, bastava que eu não desse importância que passaria.

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