Pov. Lucrecia
Os dias que passaram foram particularmente difíceis, os médicos insistiram em fazer um acompanhamento psicológico comigo, mesmo meus pais sendo absolutamente contrários. Eu não conseguia entender como eles podiam ser tão cegos, estava escrito na minha cara que algo estava errado, porque bem nenhuma das duas opções eram boas, ou eu tinha tido uma overdose propositalmente ou acidentalmente. As duas opções apontavam para problemas diferentes, mas na cabeça dos meus pais a realidade de que a filha perfeita estava fora de controle era dura demais para se lidar e eles preferiram fingir que não tinha nada de errado, como se isso fosse capaz de resolver alguma coisa.
Eu esperei por Valério todos os sete dias que eu fiquei no hospital, Samuel tinha dito que eles estariam ali, mas não estavam e eu fui me sentindo cada vez mais sozinha. E por mais que uma parte minha parte soubesse que muito provavelmente a ausência deles tinha mais a ver com meus pais do que com eles de fato, minha parte danificada insistia em repetir que eles tinham desistido, que eu não merecia todo aquele esforço. Isso se tornou uma espécie de pensamento repetitivo e quanto mais tempo passava mais difícil era de não acreditar nisso.
Me sentia sozinha e estava prestes a enlouquecer, meus pais continuavam fingindo que nada tinha acontecido. Me tratavam como se o que eu tivesse tido fosse uma apendicite ou um doença totalmente fora do meu controle. No fim por mais que um dos dois estivesse sempre presente, não estavam ali de fato, me vigiavam, mas não se preocupavam.
Talvez fosse só minha mente pregando peças, mas eles não me dirigiam a palavra, a não ser que fosse para falar mal do Valério ou do meu suposto futuro. Meu pai gostava de falar em como eu seria uma excelente advogada formada nos Estados Unidos, como se isso pudesse me fazer sentir melhor de alguma maneira e eu passei a me isolar deles, como tinha feito nos meses anteriores.
Eu prometi ao Samuel que tentaria, e eu juro que tentei, mas sempre que eu respondia eles não me levavam a sério, culpavam meus nervos e seguiam a conversa como se nada tivesse acontecido. Então passei a fingir que me importava com o que eles diziam, como eu fui obrigada a fazer minha vida inteira, mas não me dava o trabalho de realmente ouvir.
Eu estava em outro lugar novamente e no fim eles também estavam, então não fazia muita diferença. O acompanhamento psicológico do hospital foi outra piada, provavelmente por conta da posição contrária dos meus pais, eles apenas fingiram fazer algo. Fui avaliada duas vezes pelo que pareciam ser residentes, os dois disseram que eu estava fora de perigo, mesmo eu me recusando a falar qualquer coisa para eles.
Toda vez que fechava os olhos para descansar, tentava me lembrar da visita do Valério e do Samuel, mas honestamente parecia um sonho, algo bom demais para ser realidade. E eu sei que tinha prometido tentar, mas os pensamentos voltaram com tudo. Evitar a si mesma é uma missão impossível quando se está sozinha o tempo todo.
Durante todo o tempo no hospital sou acompanhada por uma porção de médicos, eles repetem que eu tive sorte por não ter nenhuma sequela neurológica ou física, e eu sorrio sem verdade para eles, não sei que sorte é essa. Nos últimos dias vem a má notícia no fim meu coração não teve tanta sorte. O médico murmurou algo sobre como eu teria que tomar remédios para o resto da minha vida, mas eu não presto muita atenção já estou decidida que a vida após alta não será longa.
Antes eu não queria que meus pais me encontrassem, porém cheguei num ponto que se esse for o único jeito estou disposta. Recebi alta com a recomendação de visitar um psiquiatra, um psicólogo e um cardiologista para acompanhar minha recuperação. Meus pais acenam, mas eu duvido que eu vá ver algum dos primeiros clínicos e não tenho forças para brigar por isso, só quero ficar em paz.
Em casa, dois dias depois da minha alta tudo volta a normalidade, meu pai viaja para resolver um problema do trabalho e minha mãe resolveu acompanhá-lo, fico sozinha com uma das empregadas de confiança. Eles não me dizem nada, mas sei que mandaram ela me vigiar, Luiza fica quase todo o tempo comigo, mas como eu imaginava assim que ela pensou que eu estava dormindo saiu e eu finalmente me senti um pouco mais livre. Prefiro me sentir sozinha estando sozinha do que ter uma companhia que sirva apenas de decoração.
Passo um bom tempo olhando para o teto perdida em pensamentos e sensações, o remédio do coração está na minha cabeceira com um copo de água praticamente me chamando. Não tinha pensado nisso até aquele momento, num impulso peguei uma porção de comprimidos e bebi de uma vez. Me sinto culpada por estar fazendo isso de novo, pensar no sofrimento do Valério é difícil, mas no fim não consigo pensar com clareza, só quero acabar com tudo. A última coisa que me lembro de fazer antes de perder a consciência é mandar duas mensagens, do celular que recuperei só hoje por conta da viagem dos meus pais.
Para Samuel:
Eu tentei... Espero que você possa me perdoar.
Para Valério
Seja feliz, te amo, Val.

ESTÁS LEYENDO
Hermanos
FanficDuas cartas de despedida do Valerio e da Lucrecia após os acontecimentos da segunda temporada. Uma foi enviada e a outra não.