Uma carta enviada

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Lu,

Escrever essa carta é provavelmente a coisa mais difícil que eu já fiz na minha vida, falar sobre o quanto você significa para mim é complicado. Nosso relacionamento sempre teve que ser um segredo, desde o início a gente sabia que era errado, mas não conseguia se conter. E eu não sei até hoje se um dia vou superar esses sentimentos ou se eles são frutos de uma dependência terrível que temos um do outro.

Foi você quem me beijou a primeira vez, porém se eu disser que foi nesse momento que tudo começou estaria mentindo. Você sempre cuidou de mim, Lu, me consolou mesmo sendo mais nova e até mesmo acreditou em mim quando ninguém mais acreditava. Se lembra como nosso pai odiava que dormíssemos juntos quando éramos bem pequenos? Como doía quando ele nos separava?

Não sei se você vai se lembrar era muita pequena, porém eu me lembro de te ouvir chorar do outro quarto chamando por mim. Desde daquela época tínhamos uma conexão, nosso pai insistia em me desmerecer, mas isso nunca te afastou de mim pelo contrário. Quanto mais ele reclamava de mim mais próximos nos tornávamos. Como se as expectativas excessivas dele sobre você equilibrassem perfeitamente com a falta que ele tinha em mim.

Nós precisávamos um do outro, e eu estaria mentindo se dissesse que já não te desejava daquele jeito quando tudo realmente começou. Eu tinha sonhos com você constantemente, beijava muitas bocas, mas era na sua que eu pensava. E quando você enfim me beijou vivi os melhores minutos da minha vida com você, ali te beijando pela primeira vez em anos eu senti que estava fazendo algo certo, apesar de todo o contexto.

E sei que você sentia o mesmo, pelo modo como sorria com seus olhos. Talvez você não entenda o que quero te dizer, mas quando estávamos juntos a maneira que você sorria era verdadeira e espontânea. Eu podia sentir nos seus olhos o como precisávamos daquilo.

Me despedir de você depois de meses te tendo todos os dias foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na minha vida. Nenhuma das vezes que eu disse que te amava era mentira, eu ainda te amo e honestamente não sei se sou capaz de não te amar. Mas nós não nascemos para ficar juntos, somos destrutivos um para o outro.

Nunca consegui dizer não para você, e precisei começar a fazê-lo. Não sei se fiz do jeito certo, estava com raiva, ressentido com a sua falsa superioridade na frente da nossa família, estava cansado de ser julgado como o depravado e você a santa. Quando, na verdade, como você mesmo disse, éramos iguais, então porque eu tinha que receber um tratamento tão diferente?

Eu não pensei sobre aquilo, no impulso eu te devolvi o que recebi, e não consigo parar de pensar que cometi um erro, te vejo vagando pelos corredores, sempre sozinha, com um sorriso que nunca chega aos olhos. Por que você não consegue ser realmente feliz? Por que você tem que ser tão cruel com todos? É medo ou certeza de que cedo, ou tarde todos se cansam de você?

Ainda que eu não esteja aqui saiba que eu nunca me cansei de você, nem quando eu nos revelei, só percebi que quando estou com você não sou a melhor pessoa que posso ser e nesse momento por mais difícil que seja preciso me colocar como prioridade. E espero realmente que você não se sinta abandonada ou sozinha.

Durante todos esses anos, mesmo quando estava longe, nada mais importava, Lu, eu sempre soube que era errado, mas soava tão certo e eu só queria poder ser feliz com você.

O sonho tolo de poder estar juntos nos fez essas peças quebradas, me levou a me drogar o máximo possível para conseguir encarar essa realidade e te fez se envolver com uma porção de caras babacas, que nunca te valorizaram. Te assistir implorar pelas migalhas do Guzmán foi mais difícil do que ir embora. Você merece mais do que isso, Lu.

Conheço a sensação, porque já passei por isso milhões de vezes, indo do pai para minha mãe, mudando de escola em escola, fazendo e desfazendo de amigos. Te tendo e te perdendo mais vezes do que posso contar. Sempre pensei que nunca te deixaria ou te trairia por vontade própria, mas as coisas mudam.

Ter uma última noite com você foi uma experiência transcendental cada toque, beijo e seu sorriso, te ver genuinamente feliz por algumas horas foi sensacional, mas como todo resto teve um fim. Te ver na escola no dia seguinte miserável de novo, destratando as pessoas e sendo a pessoa cruel que você se tornou, me trouxe de volta a realidade. Sim, somos iguais, mas não quero ser.

Quero ser mais, mais do que um espectro de superficialidade como você é, ser feliz de verdade não um fingimento. Não quero me humilhar por amor, como você fez tantas e tantas vezes, não quero usar alguém por desespero de estar sozinha de novo, como você fez comigo.

Eu não mereço isso e você também não.

Lu, eu te amo e uma parte minha sempre te amará do jeito errado, talvez seja um erro te deixar sozinha, mas não posso mais estar aqui. Não espere me ver tão cedo, não acho que consiga ficar tão perto de você sem cometer erros ou ser miserável. De agora em diante somos a palavra que eu sempre odiei pronunciar e que você sempre insistiu em repetir: irmãos, apenas isso.

Me perdoe pela forma como eu lidei tudo, pelo menos agora você não precisa mais ser perfeita para toda família. Te desejo toda a felicidade do mundo, irmã, de coração. Boa sorte, Lu e até algum dia...

Valerio  

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