A Consulta

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Chego à psicóloga alguns minutos depois, os pensamentos seguem a mil e quando me sento para esperar ser atendida, não consigo parar de mexer a minha perna e meu cabelo. Preciso falar sobre isso, desabafar toda essa culpa e medo. Mas não sei se estou preparada para assumir as consequências de contar toda a verdade.

Será que ela vai me julgar? Será que vai me chamar de maluca?

Não faço ideia, mas tenho medo de falar e ela entender errado. De acusar Valério de abuso, ou qualquer coisa desse tipo.

– Lu, já pode entrar. – Diz a secretária enquanto sinaliza para eu entrar. Lara sorri para mim de um jeito que só quer dizer uma coisa meu nervosismo é nítido, qualquer um que tem olhos pode perceber que estou prestes a surtar.

Quase corro para dentro da sala e me sento no lugar de sempre, não olho para minha psicóloga. Não tenho coragem o suficiente de fazer isso, minhas pernas tremem e não paro de mexer meu cabelo. E tenho a sensação de que a qualquer momento posso começar a chorar.

– Bom dia, Lu. – Não respondi, só olhei para ela de sobre olho e pelo jeito que ela respirou fundo parece que entendeu muito bem o que está acontecendo.

– Aconteceu alguma coisa hoje que você queira falar a respeito? – Tenho tanta coisa para dizer, mas tento seguir o conselho que ela mesma me deu meses atrás: Comece pequeno, diga primeiro o que é mais simples.

– Meu irmão... Ele teve uma recaída.

– Entendo seu nervosismo. Ele está bem?

– Sim, sim ele está em casa com o Samuel e deve ficar bem, espero pelo menos.

– Como isso te faz sentir?

– Não sei... Com medo, apavorada, não quero que ele volte a usar, sabe? Não sei se conseguiria lidar com isso, ainda preciso tanto dele.

– Compreensível, Lu. Lidar com um dependente é muito difícil até para quem não está passando por um momento difícil. Está tudo bem sentir medo. É só isso que você está sentindo? – Olho para o chão por tempo demais e ela percebe. Apesar disso, ela não diz nada só me espera ela sabe que vou falar, mas que preciso de um pouco mais de tempo. Respiro fundo e finalmente falo.

– Não sei nem por onde começar, não menti sobre sentir medo, mas me sinto sei lá... culpada também.

– Você acha que incentivou seu irmão a voltar a usar?

– Não diretamente, mas em parte, sabe? Desde que brigamos com nossos pais ele largou a escola e tem trabalhado para pagar meus remédios e meu tratamento. Só que ontem bem ele perdeu esse emprego, um emprego que ele odiava, e se desesperou. Sinto que se eu não estivesse doente ele não estaria passando por isso.

– Entendo, são sentimentos válidos, Lu. Mas não é sua culpa, você sabe disso, certo? Seu irmão escolheu fazer todas essas coisas e você não escolheu adoecer. Não foi uma decisão sua. Lembra o que te falei na última sessão?

– Sim, que eu preciso aceitar as coisas que eu não posso mudar.

– Essa é uma delas, você não pode mudar nada do que já aconteceu.

– Eu sei, mas eu queria tanto poder. Não quero mais vê-lo desse jeito, nunca mais. – Não sei quando comecei a chorar, mas estou chorando.

– E o que você pode fazer para ajudá-lo a passar por isso? Porque não pensamos juntas em coisas que você pode realmente fazer para ajudá-lo.

– Acho que posso ficar mais por perto e fazê-lo falar mais sobre o vício e sobre a vida no geral. Desde os meus dois... incidentes ele não se abre comigo.

– E você já disse isso para ele?

– Falei hoje de manhã. Eu disse que o ajudaria a procurar um emprego e sugeri procurar um para mim também, mas ele não gostou muito da ideia. – Me arrepio só de lembrar o que também aconteceu hoje de manhã, reluto não é hora de contar isso.

– E por que não?

– Ele acha que pode ser demais para mim tão cedo, muita responsabilidade.

– E você o que acha?

– Tenho medo dele estar certo, mas quero tentar. Não quero sobrecarregá-lo e sinto que tenho feito isso... E você acha que eu estou preparada?

– Acho que se você quer tentar deve tentar, mas com cautela. Se sentir que é demais você sempre pode se demitir e se isso te ajudar na relação com seu irmão pode ser algo bom. Te falei o que você esperava?

– Na verdade sim. Quero realmente tentar progredir.

– Isso é bom, Lu. De verdade, é um bom sinal. Um pouco mais de responsabilidade pode ser bom para você e na pior das hipóteses caso não seja vou estar aqui.

– Se sentindo melhor?

– Não exatamente, e se não for o suficiente? Ontem quando ele não aparecia pensei que ele tivesse morrido, e não sei se sou forte o suficiente para viver sem ele.

– Você é, Lu. Você é muito forte, você consegue e além do mais você não tá sozinha. Tem seu amigo Samuel, tem a mim, mesmo se algo acontecer você não vai se despedaçar. Além disso, você não pode controlar e sofrer pelas ações dele, não são sua responsabilidade.

– Eu sei, mas eu sinto como se fosse. Nossos pais nunca ligaram para gente e nós sempre cuidamos um do outro, me sinto responsável por ele ao mesmo tempo que me sinto culpada por ele se sentir assim comigo também. E tem mais uma coisa, eu quase não vim hoje, primeiro dia de recaída e eu sentia que precisava estar com ele, mas Samuel me convenceu a vir, na verdade ele não de me deu opção...

– Isso te deixou com raiva?

– Não, me senti aliviada de não precisar ficar. – Disse e escondi meu rosto. Não queria me sentir assim, não com o Valério, a pessoa que sempre esteve comigo. Comecei a chorar mais e se ela percebeu não disse nada.

– Não queria me sentir assim com ele, devo tudo a ele.

– Lu, todos esses sentimentos são válidos e normais. Você é só uma menina, é normal querer não ser responsável por uma outra pessoa. É normal não ser responsável por ninguém, e você não tem controle sobre o que sente.

– Não sou uma pessoa terrível por isso?

– Nem um pouco. O contrário na verdade.

– Obrigada é bom ouvir isso de alguém sem ser o Val.

– E aí mais alguma coisa nessa cabecinha? Ainda temos cinco minutos. – Respondi qualquer coisa e ela focou em me ensinar exercícios para me acalmar e me recomendou começar a escrever um diário.

Saí de lá aliviada, mas ainda com medo do que ela vai pensar quando souber de tudo.  

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