Pov. Lucrecia
Pela segunda vez eu acordo numa cama de hospital e a sensação que tenho ao despertar é diferente da anterior. Ainda não estou feliz, mas não me sinto tão desapontada de ter dado errado dessa vez, uma parte minha bem lá no fundo, está contente de ter recebido outra chance. É certo que parece algum tipo de mal-entendido cósmico, não acho que eu seja o tipo de pessoa que merece segundas tentativas, porém, por escolha minha ou não, estou viva e isso terá que ser suficiente por algum tempo.
Ver quem está ali comigo ajuda muito a incentivar esses sentimentos, Valério está dormindo numa posição super desconfortável numa cadeira do meu lado, sua mão está enlaçada a minha. Antes de pensar no que estou fazendo, sorrio, é genuíno e completamente honesto. Amo esse garoto com todas as minhas forças, desde sempre, para sempre e se eu tivesse que escolher alguém para ser a primeira pessoa a ver todos os dias seria ele sem dúvida nenhuma. Mais uma vez Val me salvou, nessa ocasião literalmente, e não sou tola de assumir que está tudo resolvido, porém saber que ele continua ali por mim mesmo depois de tudo me faz sentir segura e amada de novo.
O sorriso vira um amontoado de lágrimas em seguida, eu solto a mão dele, Valério não acorda e os pensamentos me tomam de novo. Nada disso é saudável para nós dois, ele mesmo disse na carta, fazemos mal um ao outro e essa é a verdade que eu nunca quis admitir. Imaginar no desespero que Val deve ter sentido ao receber a minha mensagem me faz chorar, não quero causar mais tanta dor a ele e pensando nisso volto a pensar na sorte que tive.
Apesar do que eu esperava estou viva, e aparentemente bem, nem sequer tem uma máscara de oxigênio no meu rosto dessa vez. Toda essa sorte não pode ter vindo por acaso, talvez não seja realmente meu momento de ir, talvez Valério não pudesse suportar se eu me fosse, algo que consigo compreender. Se fosse com ele, se fosse eu sentada naquela cadeira estaria desesperada, desolada e me sentindo extremamente culpada. Eu faria qualquer coisa para garantir que ele continuasse vivo e é por isso que percebo ali que por mais que ele me prometa mundos e fundos não posso aceitar. Não seria justo.
A verdade é que, desde que me entendo por gente, Valério é o responsável por grande parte das minhas angústias e felicidades. Foi com ele meu primeiro beijo, minha primeira vez, com que eu desabafava, com quem eu sempre pensei que pudesse ser eu mesma sem julgamentos. Mas no fim não se pode pisar em alguém a vida inteira, chamar isso de amor e esperar que a pessoa aceite sem revidar.
Fomos tóxicos um com o outro, nos sabotamos, mas no fim fui eu quem nos afastou. Por medo, orgulho, sentimentos que não importam mais. Apesar de amá-lo o destruí por todos esses anos, nunca admiti, mas sempre soube que seu vício tinha muito a ver comigo. Preferi fingir que nenhum dos problemas existia, deixei ele sozinho com as drogas, com os maus tratos dos nossos pais e com o meu próprio falso descaso.
No entanto, no fim ele sempre foi mais forte que eu, aguentou anos da minha montanha-russa, eu ao contrário caí nos primeiros meses. Ele se degradava, mas a verdade é que de nós dois o elo mais fraco sempre foi eu.
Sempre o amei, mas nunca consegui realmente admitir, nem mesmo para mim mesma e esse segredo me consumiu. O tanto que eu fingi que aquilo não estava acontecendo, o medo me tornou outra pessoa, e eu odeio essa versão minha. Uma menina má e cruel que pisou tanto nos sentimentos dos outros por medo de encarar os seus que acabou completamente sozinha.
Acho que de um jeito muito bizarro ele conhecer todos os meus lados, me fez não ter medo de mostrar o pior dos meus, pensei que Valério nunca fosse ir embora, que nunca fosse desistir, mas ele seguiu em frente. E ainda que meu meio-irmão diga que não me esqueceu, a verdade é bem simples tudo o que ele diz agora são palavras frutos de um desespero. Eu faria o mesmo, diria qualquer coisa que o fizesse não tentar ir embora de novo. E olhando para ele eu soube que não podia tentar novamente, não podia fazer Valério passar por isso mais uma vez.
Ainda me sinto sozinha, vazia e extremamente triste, mas ele está ali apesar de tudo o que fiz. Olhar para ele provoca em mim um misto de sensações, me dá esperança, mas me faz sentir culpada, não quero deixá-lo assim nunca mais. É hora de seguir em frente, preciso aprender a viver com tudo isso, a aceitar o que não posso mudar e a não ferir as únicas pessoas que ainda se importam comigo. No fim preciso descobrir como viver sem ele para quem sabe um dia saber viver com ele.
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Hermanos
FanfictionDuas cartas de despedida do Valerio e da Lucrecia após os acontecimentos da segunda temporada. Uma foi enviada e a outra não.