Hoje é sábado e depois de tudo que aconteceu com o Valério não sei se é uma boa ideia deixá-lo para ir à psicóloga. Me levanto com cuidado para não acordá-lo e vou tomar café da manhã.
Me distraio enquanto preparo o café ainda pensando se devo ou não ir, nunca faltei nenhuma sessão, mas nunca tinha acontecido algo assim também e ele precisa de mim. O dia depois da recaída é sempre o pior, já passei por vários com ele e se Valério usar de novo hoje, parar amanhã vai ser quase impossível.
E Deus sabe que vai ser difícil, suor, tremedeiras, já vi ele passar por desintoxicações demais e nas recaídas em que eu não estava presente ele sempre acabava entrando num ciclo de uso. Quando o café está pronto sento para tomar, pego o telefone para ligar para psicóloga quando Samuel sai do seu quarto.
– Bom dia, Lu. – Ele diz sorrindo e sentando do meu lado se servindo do meu café.
– Bom dia, Samu. – Tento esconder meu nervosismo, mas não consigo. Obviamente ele vai perguntar o que houve.
– Tá tudo bem? Você parece nervosa... E que horas são? Você já não devia ter saído? – Samuel fala checando a hora no seu celular.
– Não vou hoje, ia ligar agora para psicóloga cancelando. Val teve uma recaída e precisa de mim aqui.
– Que história é essa? Pensei que você não pudesse faltar sessões.
– E não posso, mas é uma exceção Samuel. Ele precisa de mim, o dia depois da recaída é determinante. Sabe se lá o que pode acontecer se eu não ficar.
– Você confia em mim, Lu? – Ele pergunta sério e me pega de surpresa. Que tipo de pergunta é essa?
– Claro, Samu. Mas o que que isso tem a ver?
– Não tenho nada para fazer hoje. Posso ficar de babá.
– Você não sabe como é. Não saberia como cuidar dele.
– Mas posso aprender, só me falar o que eu tenho que saber... O que não faz sentido é você perder uma sessão por isso, você precisa ir e sabe disso.
– Não, não preciso... Eu tô bem...– Digo tentando convencê-lo, mas nem me convenço. Estou apavorada com a ideia de perdê-lo de novo para esse vício e preciso falar sobre isso ou vou surtar.
– Lu... Lu... – Ele diz e segura minha mão. – Prometo cuidar dele. Só me dizer, o que eu preciso fazer? – Respiro fundo e pergunto:
– Nenhuma chance de você me deixar ficar, né?
– Nenhuma. Você vai e fim de discussão. – A sensação de que a resposta dele me causa me assusta, me sinto aliviada. O que me faz sentir culpada em seguida, Val precisa de mim e estou aqui pensando se vou não surtar por causa disso, não é sobre mim.
– Val vai soar e tremer muito. O mantenha hidratado, garanta que ele coma alguma coisa e bem às vezes ele fica muito irritado, não implica com ele e pelo amor de Deus distrai ele e não deixa ele sair de casa. Se Val usar hoje ficar sóbrio vai ser muito mais difícil.
– Água, comida, não implicar, distração e não deixá-lo sair, entendido.
– Tem certeza? Não quer que eu repita?
– Não, vai Lu. Você já tá atrasada. – Entro no quarto e troco de roupa rápido e saio ainda preocupada com Val. Espero realmente que Samuel dê conta de cuidar dele, a última coisa que quero é vê-lo se afundar nesse vício de novo.
Com a bicicleta do Samuel, como faço todos os sábados, saio correndo ainda distraída pensando no sentimento que poder ir embora me causa. Ainda estou preocupada, culpada, mas me sinto aliviada de poder ir embora, de não ser responsável por ele. Me sinto culpada só de pensar nisso, mas é verdade. Minha relação com Val sempre foi complicada, tóxica e os limites nunca foram claros. Nós sentíamos responsáveis pelo outro e por mais que sempre tenha sido assim não soa certo, é como se eu tivesse um filho ao invés de um namorado ou irmão. E o pior de tudo que é que tenho certeza de que Valério deve se sentir de forma semelhante.
Não consigo parar de pensar em tudo isso no caminho e se devo falar sobre isso com a psicóloga. Não contei a ela até hoje sobre o tipo de relação que tenho com meu irmão, ou sobre como briguei com meus pais, não tenho ideia de como ela vai reagir e tenho medo. Medo de que ela diga que tudo isso é uma loucura, e que esse amor é só um sintoma da falta de amor que nosso pai sempre teve com a gente.
Queria que ela dissesse que está tudo bem em nós dois ficarmos juntos, mas ela nunca vai dizer isso.

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Hermanos
FanfictionDuas cartas de despedida do Valerio e da Lucrecia após os acontecimentos da segunda temporada. Uma foi enviada e a outra não.