3. Acidente

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Assim que abri os olhos e vi que Rafael não estava mais lá me bateu um medo e um arrependimento. Eu não era gay, disso eu sabia, mas meu amigo tentar me agarrar e eu corresponder não estava nos meus planos nem aqui nem na China.

Levantei e saí da barraca. Ele estava sentado numa das pedras olhando o nascer do sol. Vestia apenas a roupa de ontem à noite e uma sandália.

A neblina ainda estava em toda parte, pois os raios solares ainda não faziam efeitos no orvalho da madrugada. Eu realmente estava com raiva de Rafael, mas ele ainda era o melhor amigo que eu tinha e algumas coisas ficaram inexplicáveis ontem à noite.

Caminhei até ele e sentei ao seu lado. Permanecemos em silêncio por um bom tempo e logo depois ele pigarreia e olha para mim.

— Sobre ontem... Desculpe-me, eu só estava carente. Não pego ninguém há um bom tempo. Não quero que pense besteira, foi só um beijo tá?

— Meu primeiro beijo, Rafa.

— Eu sei, eu sei tá? Eu estou mal por isso. Eu não devia ter feito isso... Você estava triste e eu... Eu... Agi que nem um idiota. Eu sei. E me arrependo. Se arrependimento matasse...

— Não fale essas coisas. Eu só quero deixar bem claro que o que houve não vai se repetir.

— Nunca mais, pode ficar tranquilo.

— E mais que isso nem pensar. Mesmo você sentindo alguma coisa, ou seja, lá o que for... Não gosto dessas coisas.

— Não sou gay Fábio.

— Não?! — olhei para ele incrédulo.

— Pensei nisso apenas como uma troca de experiências. Ensinei-te a beijar. Pronto. Agora você pode praticar com as meninas.

Sorri com a cara besta que ele fazia. Mas no fundo ele estava nervoso, eu via que ele temia que nossa amizade não fosse à mesma. Eu também temia. Mas eu gostava muito dele como se gosta de um irmão. E irmão a gente perdoa, mesmo que a raiva fale mais alto.

— Você é meu melhor amigo Fábio. — ele disse olhando para mim.

— Eu sei.

— É para você dizer: "você também é meu melhor amigo".

Rimos.

— Não vou dizer isso.

— Por que não?

— Você me magoou, fez o que não mandei e me assustou. Tirou meu BV, se eu não tivesse parado podia ter tirado o resto. Então preciso pensar.

Ele baixou a cabeça e suspirou. Ele estava chateado com ele mesmo. Mas não tão magoado quanto eu. Eu quero esquecer, mas estava complicado.

Passamos a manhã conversando, e aos poucos a raiva que sentia dele foi passando. Não tinha como ficar com raiva de Rafael. Quando meio dia chegou, arrumamos nossas coisas e descemos a montanha. Antes de chegarmos à estrada Rafael segurou meu braço. Gelei na mesma hora recordando os últimos acontecimentos. Ele percebeu meu olhar e me soltou rapidamente.

— Desculpa, te assustei?

— Não... Só... O que foi?

— Tem como a gente voltar para casa sem esse clima? Eu sei que é difícil para você, mas podemos voltar ao normal? Ou tentar?

Olhei sério para ele.

— Nunca voltarei ao normal depois de hoje, não tem como. Mas... — respirei fundo e olhei fundo em seus olhos. — Não estou mais com raiva de você. Não vou esquecer, mas podemos voltar a nos comportar como pessoas normais em vez de dois idiotas. — e sorri para ele.

Ele sorriu, soltou um dos pacotes e me abraçou.

— Obrigado amigo, você é o cara mais legal que eu conheço.

— Claro, eu sou insubstituível. O que aconteceu aqui fica aqui.

Então voltamos para casa e não tocamos mais no assunto da montanha.

***

Quando voltei da viagem às aulas pioraram cada vez mais. O assunto estava horrível! E a semana de prova já começava na semana seguinte o que resultou em estresse pós primeiro beijo num cara e insônia para não tirar nota baixa, ou seja, eu estava um caos, mas fingindo que estava tudo sobre controle.

Quando cheguei em casa após a última prova meus pais haviam viajado com o carro para a casa da minha avó em outra cidade, então a moto ficou liberada para ser usada quando eu bem entendesse. Isso significava que eu iria passar três dias sem eles em casa, só curtição. Chamei Vinícius e Rafael para jogarem vídeo game lá em casa e assim passamos os finais de tarde.

Quando meus pais estavam para chegar, decidi subir para o centro para comprar um pouco de refrigerante para o almoço, já que hoje era sábado. Peguei a moto e acelerei para o centro. Comprei o refrigerante, batata palha e maionese. Coloquei tudo no compartimento da moto e entrei na pista principal.

Assim que cheguei num sinal, meu telefone toca. Encosto próximo a uma calçada, afinal dirigir enquanto atende o telefone não dá.

— Filho. — era meu pai. — já chegamos a casa, você foi para onde?

— Estou já chegando. Fui ao centro fazer umas compras. Estou perto de casa já.

Assim que desliguei o telefone e coloquei no bolso da calça, acelerei a moto, pois o sinal verde tinha aberto, mas mal cheguei ao meio da pista uma moto acelerou não obedecendo o sinal vermelho e partiu para cima de mim.

Só vi que voei longe e tudo se apagou.

***

Acordei num hospital com minha mãe segurando minha mão e dormindo com a cabeça na minha cama, sentada numa cadeira. E meu pai dormindo numa poltrona próxima a cama.

— Mãe... O que foi que aconteceu?

Meu pai se acordou e caminhou até mim, tocou no ombro de minha mãe fazendo com que ela se acordasse. Assim que ela levantou e viu que eu já estava acordado percebi que ela havia chorado.

Eles olharam um para o outro e minha mãe foi até uma enfermeira, que estava na porta, e mandou chamar o médico. Eu não estava entendendo nada. Por que eles estavam tão sérios?

O médico entrou na sala minutos depois, ele era o que sempre atendera nossa família. Assim que o médico entrou ele olhou para mim com um sorriso bem sutil, cumprimentou meus pais e olhou um pouco a papelada que tinha em mãos antes de aproximar-se de mim. Ele estava com a feição preocupada, o que me deixou ainda mais nervoso.

— Fábio, nós temos uma coisa para te contar. — falou meu pai.

— E eu quero que você não odeie a gente. — disse minha mãe já chorando.

O que estava acontecendo?!

O médico olhou para mim e tocou minha cabeça. Seu olhar era sério e ao mesmo tempo preocupado.

— Fábio, nós precisamos te contar uma coisa...

— Falem logo, estão me deixando assustado. Amputaram minha perna? Não vou poder andar? Vou ficar cego? Vou morrer? O que é tão grave? Mãe? Pai? O que está acontecendo? — olhei para eles suplicando uma resposta, mas minha mãe apenas abraçou meu pai e chorou mais ainda.

O médico sentou-se numa cadeira próximo de mim e pigarreou.

— O que temos para falar é complicado e não temos maneira simples de dizer isso, então serei bem direto... Você é biologicamente mulher.

*** 

XOXO

Ele sou Ela®Onde histórias criam vida. Descubra agora