Assim que abri os olhos e vi que Rafael não estava mais lá me bateu um medo e um arrependimento. Eu não era gay, disso eu sabia, mas meu amigo tentar me agarrar e eu corresponder não estava nos meus planos nem aqui nem na China.
Levantei e saí da barraca. Ele estava sentado numa das pedras olhando o nascer do sol. Vestia apenas a roupa de ontem à noite e uma sandália.
A neblina ainda estava em toda parte, pois os raios solares ainda não faziam efeitos no orvalho da madrugada. Eu realmente estava com raiva de Rafael, mas ele ainda era o melhor amigo que eu tinha e algumas coisas ficaram inexplicáveis ontem à noite.
Caminhei até ele e sentei ao seu lado. Permanecemos em silêncio por um bom tempo e logo depois ele pigarreia e olha para mim.
— Sobre ontem... Desculpe-me, eu só estava carente. Não pego ninguém há um bom tempo. Não quero que pense besteira, foi só um beijo tá?
— Meu primeiro beijo, Rafa.
— Eu sei, eu sei tá? Eu estou mal por isso. Eu não devia ter feito isso... Você estava triste e eu... Eu... Agi que nem um idiota. Eu sei. E me arrependo. Se arrependimento matasse...
— Não fale essas coisas. Eu só quero deixar bem claro que o que houve não vai se repetir.
— Nunca mais, pode ficar tranquilo.
— E mais que isso nem pensar. Mesmo você sentindo alguma coisa, ou seja, lá o que for... Não gosto dessas coisas.
— Não sou gay Fábio.
— Não?! — olhei para ele incrédulo.
— Pensei nisso apenas como uma troca de experiências. Ensinei-te a beijar. Pronto. Agora você pode praticar com as meninas.
Sorri com a cara besta que ele fazia. Mas no fundo ele estava nervoso, eu via que ele temia que nossa amizade não fosse à mesma. Eu também temia. Mas eu gostava muito dele como se gosta de um irmão. E irmão a gente perdoa, mesmo que a raiva fale mais alto.
— Você é meu melhor amigo Fábio. — ele disse olhando para mim.
— Eu sei.
— É para você dizer: "você também é meu melhor amigo".
Rimos.
— Não vou dizer isso.
— Por que não?
— Você me magoou, fez o que não mandei e me assustou. Tirou meu BV, se eu não tivesse parado podia ter tirado o resto. Então preciso pensar.
Ele baixou a cabeça e suspirou. Ele estava chateado com ele mesmo. Mas não tão magoado quanto eu. Eu quero esquecer, mas estava complicado.
Passamos a manhã conversando, e aos poucos a raiva que sentia dele foi passando. Não tinha como ficar com raiva de Rafael. Quando meio dia chegou, arrumamos nossas coisas e descemos a montanha. Antes de chegarmos à estrada Rafael segurou meu braço. Gelei na mesma hora recordando os últimos acontecimentos. Ele percebeu meu olhar e me soltou rapidamente.
— Desculpa, te assustei?
— Não... Só... O que foi?
— Tem como a gente voltar para casa sem esse clima? Eu sei que é difícil para você, mas podemos voltar ao normal? Ou tentar?
Olhei sério para ele.
— Nunca voltarei ao normal depois de hoje, não tem como. Mas... — respirei fundo e olhei fundo em seus olhos. — Não estou mais com raiva de você. Não vou esquecer, mas podemos voltar a nos comportar como pessoas normais em vez de dois idiotas. — e sorri para ele.
Ele sorriu, soltou um dos pacotes e me abraçou.
— Obrigado amigo, você é o cara mais legal que eu conheço.
— Claro, eu sou insubstituível. O que aconteceu aqui fica aqui.
Então voltamos para casa e não tocamos mais no assunto da montanha.
***
Quando voltei da viagem às aulas pioraram cada vez mais. O assunto estava horrível! E a semana de prova já começava na semana seguinte o que resultou em estresse pós primeiro beijo num cara e insônia para não tirar nota baixa, ou seja, eu estava um caos, mas fingindo que estava tudo sobre controle.
Quando cheguei em casa após a última prova meus pais haviam viajado com o carro para a casa da minha avó em outra cidade, então a moto ficou liberada para ser usada quando eu bem entendesse. Isso significava que eu iria passar três dias sem eles em casa, só curtição. Chamei Vinícius e Rafael para jogarem vídeo game lá em casa e assim passamos os finais de tarde.
Quando meus pais estavam para chegar, decidi subir para o centro para comprar um pouco de refrigerante para o almoço, já que hoje era sábado. Peguei a moto e acelerei para o centro. Comprei o refrigerante, batata palha e maionese. Coloquei tudo no compartimento da moto e entrei na pista principal.
Assim que cheguei num sinal, meu telefone toca. Encosto próximo a uma calçada, afinal dirigir enquanto atende o telefone não dá.
— Filho. — era meu pai. — já chegamos a casa, você foi para onde?
— Estou já chegando. Fui ao centro fazer umas compras. Estou perto de casa já.
Assim que desliguei o telefone e coloquei no bolso da calça, acelerei a moto, pois o sinal verde tinha aberto, mas mal cheguei ao meio da pista uma moto acelerou não obedecendo o sinal vermelho e partiu para cima de mim.
Só vi que voei longe e tudo se apagou.
***
Acordei num hospital com minha mãe segurando minha mão e dormindo com a cabeça na minha cama, sentada numa cadeira. E meu pai dormindo numa poltrona próxima a cama.
— Mãe... O que foi que aconteceu?
Meu pai se acordou e caminhou até mim, tocou no ombro de minha mãe fazendo com que ela se acordasse. Assim que ela levantou e viu que eu já estava acordado percebi que ela havia chorado.
Eles olharam um para o outro e minha mãe foi até uma enfermeira, que estava na porta, e mandou chamar o médico. Eu não estava entendendo nada. Por que eles estavam tão sérios?
O médico entrou na sala minutos depois, ele era o que sempre atendera nossa família. Assim que o médico entrou ele olhou para mim com um sorriso bem sutil, cumprimentou meus pais e olhou um pouco a papelada que tinha em mãos antes de aproximar-se de mim. Ele estava com a feição preocupada, o que me deixou ainda mais nervoso.
— Fábio, nós temos uma coisa para te contar. — falou meu pai.
— E eu quero que você não odeie a gente. — disse minha mãe já chorando.
O que estava acontecendo?!
O médico olhou para mim e tocou minha cabeça. Seu olhar era sério e ao mesmo tempo preocupado.
— Fábio, nós precisamos te contar uma coisa...
— Falem logo, estão me deixando assustado. Amputaram minha perna? Não vou poder andar? Vou ficar cego? Vou morrer? O que é tão grave? Mãe? Pai? O que está acontecendo? — olhei para eles suplicando uma resposta, mas minha mãe apenas abraçou meu pai e chorou mais ainda.
O médico sentou-se numa cadeira próximo de mim e pigarreou.
— O que temos para falar é complicado e não temos maneira simples de dizer isso, então serei bem direto... Você é biologicamente mulher.
***
XOXO

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Ele sou Ela®
RomantikFábio sempre foi um garoto que viveu rodeado de amigos e participava do clube de vôlei da escola, era um rapaz não muito alto, mas com uma agilidade que dava inveja nos outros garotos. Mas um dia, depois de um acidente de trânsito, ele descobre que...