Trilha:GMS - Life In The Machine
A música frenética era o cartão de visita e o maior atrativo da boate reinaugurada. A entrada não era barata, o bar tão pouco, mas estava apinhada de corpos jovens e alguns desejando se manter jovens, na ilusão de absorver a juventude passando tempo suficiente com a fonte perfeita.
A fumaça deixava a luz multicolorida dos lazeres evidente, os flashes brancos estroboscópicos criavam a ilusão de lentidão acelerada.
Cabeças jogadas para trás em frenesi, braços para cima, corpos molhados e exalando o aroma energético e pungente da noite se tocavam sem perceber, se esfregavam em mãos soltas. Olhos fechados, bocas que gritavam e não conseguiam superar o som massacrante. Exceto ao pé do ouvido:
— Está sozinho?
Misael ouviu aquela voz doce sem perceber que alguém se aproximava dele. Olhou para o lado e viu a mulher de cachos curtos, pele morena e iluminada pela luz azul. Seus olhos focaram igualmente nos seus lábios grossos e nos seios que pulavam do decote. Era mais baixa que ele — e isso não seria problema. Ela esperou a resposta dançando lentamente em desacordo com a música, ele notou isso. Ela não se vestia como as meninas que disseram que iam sair com umas amigas e agora estavam fazendo sexo oral num cara ou noutra menina num dos banheiros. Essa mulher tinha a pele lisa e não usava a maquiagem extravagante para parecer mais mulher que as demais, ela era suficientemente mulher ali, sem acompanhar a música e sim acompanhando o corpo em desacordo ao ritmo frenético.
— Então?
— Estou só com uns amigos, e você?
Ela deu de ombros.
— Posso dançar com você? — perguntou a morena.
— Claro. Pode vir.
O corpo dela serpenteava enquanto o dele tentava acompanhar os movimentos. Ele não conseguia tirar os olhos da boca grossa e dos seios que encheriam suas mãos. Uma mulher que sai assim, com tudo isso para mostrar, sozinha, não é inocente. Ele sacudiu a cabeça como se dançasse, mas na verdade estava absorvendo a ideia que ela poderia ser uma das prostitutas da boate.
Como sou burro! Hora de se esquivar dessa mulher.
— Vou ao banheiro — cochichou no ouvido dela e ela só confirmou com a cabeça.
Misael se afastou, roçando seu corpo nos outros corpos. Tirou a camisa para aliviar o calor antes de entrar no banheiro. O banheiro criava uma bolha refrescante, úmida e com cheiro de vodka e canela. Se olhou no espelho, lavou o rosto, foi ao mictório, deixou o energético e o mix de drinks sair. Um cara parou do seu lado mesmo com outros mictórios vazios e sem disfarçar encarou seu membro. Misael sacudiu a cabeça fria e negativamente e o cara fez uma cara desgostosa e compreensiva. Fechou o zíper sem fazer nada e deixou Misael terminar.
Já com a camisa enrolada como um bracelete, ele caçou seu único amigo na multidão. Impossível com tantos homens do mesmo estilo e corpo naquela meia luz.
A música voltou a bater na sua pele enquanto seu corpo se agitava na crescente parte da sinfonia eletrônica, após um período de silêncio proposital para o final apoteótico da mixagem. Na explosão sonora, as luzes iluminaram todo o lugar por um segundo antes de cair como um desabamento a escuridão normal. Neste segundo ele viu a mulher no mesmo local com um outro cara. Era um sujeito metido a Freddie Mercury. Vestia jaqueta e calça jeans completamente destoantes do local. Ele se esfregava na mulher como se já a possuísse. As coxas dele (e outras partes) em atrito com a bunda da morena.
Por que me importo?
O sujeito era magro, com os pelos do peito saindo pateticamente pela gola da camisa branca e com mãos que não sabiam onde ficar. Ela dançava mais lasciva com aquele cara. O suor de Misael aumentou. Amigo desaparecido. Um sujeito estranho se esfregando naquela mulher linda. Ele era um pedaço de décadas passadas que nem deveria estar ali e ela uma mulher decidida, gostosa, com uma boca que poderia... Ele sentiu o ventre enrijecer. Ela terminaria, sendo paga, provavelmente, num motel barato ou num carro de duas portas com aquele infeliz.
Misael caminhou sem dançar até onde estavam. Ela o viu, trocaram olhares. Ela pouco ligou. Já o jovem descamisado não gostou da forma que o imbecil tocava sua coxa sob o vestido aberto do lado.
— Vamos beber algo? — falou no ouvido dela sem se preocupar com o homem.
Ela virou o rosto para Misael como se esperasse um convite melhor que o clichê da bebida. O homem deixou de roçar seu corpo na mulher e segurou Misael pelo braço, que revidou com um puxão forte condenado a magreza do sujeito num desequilíbrio, logo depois veio o grito de Misael:
— Quer apanhar? Some daqui! — saliva salpicou na cara do homem que manteve bem os olhos no agressor ao mesmo tempo que não sabia o que fazer. Só saiu cambaleando.
— Você ia arrumar uma briga mesmo? — perguntou a mulher na ponta dos sapatos e roçando os lábios no ouvido dele.
— Sei lá... — ele realmente não parecia saber o que estava fazendo — Não gostei dele — a raiva foi embora junto com a imagem do homem de jaqueta que se mesclou aos outros corpos.
Misael sentiu o peito se encher de um calor maior quando ela tocou seu abdômen. Ele fixou o olhar no dela. O rosto, que antes demonstrava fúria, recebeu traços de incredulidade. Era só um toque, mas o corpo inteiro se arrepiou. Os dedos dela correram da linha da barriga, subiram pelo peitoral, entumeceram os mamilos, percorreram o pescoço e pararam na nuca. A pele de Misael parecia um ouriço. Sua respiração foi acelerando a cada centímetro que ela se aproximava. Os lábios grossos da mulher procuraram os dele, as mãos na sua nuca, as mãos grandes de Misael na sua cintura puxavam o corpo pra perto. Antes mesmo de sentir aquela boca, o rapaz não entendia de onde via aquele êxtase. Os batimentos acelerados, o calor do peito e da virilha, as gotas de suor descendo como cascatas nas costas, os dedos trêmulos, o arrepio nas nádegas à nuca. Quando enfim a beijou, se afogou, o ar faltou, as línguas dançaram e ele não conseguia respirar mesmo com o ar quente entrando por suas narinas. Ele precisava de ar, mas preferiu envolver aquela mulher nos seus braços definidos e trazê-la pra perto. Mergulhou naquele beijo.
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Sob a noite
Mystery / ThrillerUma infinidade de gestos, olhares e desejos ganham força à noite. Muitos fazem o que querem quando estão na meia luz. Corpos são largados por aí ainda sujos de prazer, tremendo de medo, quentes ou vazios. Todo mundo olha para noite como alforria par...