3.7. Precioso ar

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Trilha:Seven Devils – Florence + The Machine (instrumental)

Um passo para trás foi a resposta automática do corpo de Misael perante as palavras que ouviu. As mãos à frente como se criasse uma proteção contra seu capturador:

— Wow... Não... Cara, para com isso, tira isso da cabeça, não vou fazer nada de ruim. Não vou falar nada pra ninguém...

— Vê se entende... — cruzou os braços largos — A puta da Michaela tem razão, ou faço isso ou você estraga tudo e quem perde a cabeça sou eu.

— Mas eu não vou estragar nada! — um passo para trás.

Antony não se moveu, o encarou, sério e sem mexer um músculo.

Misael puxou ar para falar, mas viu os olhos do sujeito, percebeu os braços, os ombros, o rosto pétreo, a porta atrás dele e a janela com grade atrás de si mesmo. Restaurou na memória que aquilo não era um sequestro, lembrou da mansão, da cama, das dores que sentia — as costelas já incomodavam de novo —, o estrago feito na morena, a criatura que o fez, os outros que presenciaram o ato. Aquilo não era um sequestro. Não haveria resgate. Só dor.

Devagar as mãos foram baixando e ficando ao lado do corpo, seus olhos abertos ao limite relaxaram e as pálpebras desenharam linhas melancólicas. O ar saiu e o corpo, antes em riste, descansou.

— Minha vida acabou, né? — questionou sem ânimo.

Antony deu dois passos à frente e pegou a taça suja:

— Posso tornar a coisa menos agressiva e usar ela — mostrou a taça — Ou podemos fazer da forma comum — e exibiu o pulso do outro braço com as veias esverdeadas.

Misael olhou o vidro, passeou os olhos pelo corpo até o pulso contrário, voltou e enfrentou os olhos azuis demoníacos:

— É assim mesmo? Tenho só essa escolha? Se eu tentar passar por você, ir até a porta e correr até lá embaixo, você vai me impedir e me espancar de novo?

Antony confirmou com a cabeça.

— Não volto pra casa é isso? Vou esquecer tudo?

Antony esticou os braços pra o mortal em completo silêncio.

Beber o sangue de um homem criava uma imagem insana na sua mente. Nesta mesma imagem apareceu o guarda-costas da Michael e aquela escrava do caminhoneiro aninhada em seu corpo.

"Vou ser algo desse tipo? Tenho como me controlar?", as frases apareciam e davam lugar a imagens submissas, a perda da vontade, a perda da consciência, da liberdade. Por uma fração de segundo, Misael, nada religioso, pensou no livre arbítrio. O conceito pesou no seu estômago como uma bigorna.

Um tapa seu jogou a taça na parede, espatifando em brilhantes cacos, ecoando o som cristalino da destruição pelo quarto quieto.

O olhar molhado de Misael não se moveu mais do que antes. Encarava seu capturador. Buscava força de qualquer lugar palpável para não ceder ao medo que subia pelas paredes da garganta como um verme com garras.

Ele sentiu a ira escapar neste tapa, e, logo depois, uma pressão no seu pescoço, envolvendo-o forte. Não sentiu os pés tocando o assoalho, o piso fugiu para baixo. Os dedos de Antony esmagavam sua garganta, era impossível puxar o ar, um tampão impedia que entrasse, o ar se concentrava na boca e nas narinas, mas não passava de lá, o peito murchava, ele sentiu os pulmões se contraindo. Por mais que apertasse com as mãos o pulso que o esmagava, a pressão se espalhou pela cabeça, os olhos se deslocavam para frente, a língua se enrolou para trás e os pés sacudiam inúteis. A gravidade fazia o peso de seu corpo se concentrar naquele pescoço sendo esmagado.

Sob a noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora