Trilha:Rammstein - Mein Herz Brennt [Piano Version, Instrumental]
A porta grande e branca da sala do primeiro andar abriu sem ruídos. Misael, que estava de pé roendo o canto do polegar, se virou ao sentir o ar se movendo e vislumbrou a mulher. Todo o resto da sala deixou de importar. Nem mesmo o Antony mexendo na tapeçaria antiga, nem o motorista sentado na poltrona rasgando o próprio fio da calça com a chave do carro. Ela entrou balançando os cabelos castanhos lisos que terminavam em ondas quase do mesmo tamanho, os ombros à mostra criavam um padrão quadrado e emolduravam uma postura real, ladeando o torso no vestido delicado que envolvia as curvas e seus atributos, que gelaram a barriga de Misael. Ele se imaginou embaixo daquele vestido e sua mão subindo por suas coxas lisas até o ângulo que ele tanto queria ter no seu colo.
— ...noite, senhora. Desculpe incomodar... — uma voz quase da esquina fez Misael continuar na sala e não se aprofundar nos pensamentos — Temos problemas e gostaria de compartilhar e, se possível, ter uma ajuda... — Antony falava com uma tensão na voz enquanto Misael coçava os olhos evitando olhar demais para o corpo da anfitriã — E tem que ser rápido — completou.
— Então não temos muito que deliberar — disse a mulher juntando as mãos à frente — Peço um carro para levar os convidados para suas casas?
— Não precisa — levantou o motorista — Só... Só pego o meu carro e vou embora, não quero saber de nada e pra mim isso nem aconteceu.
Ele olhou para Misael e deu pra ler a frase "cada um por si" estampado na sua testa.
— Presumo que Antony deseja mesmo isso — falou a mulher andando até o rapaz — Tenho certeza, para falar a verdade, que o que aconteceu essa noite seria um desastre para todos nós, não é isso?
— Cla... Claro... Sem sombra de dúvida, só vou pegar meu carro e meter o pé.
A mulher andou uns seis ou sete passos encarando o motorista que, por sua vez, maior em altura e largura, foi encolhendo os ombros e curvando, mas sem tirar os olhos dela.
— A partir do momento que o senhor entrar no seu veículo e cruzar o portão de metal que protege minha casa, a sua noite vai se resumir em dirigir pela cidade e beber algo para esquecer os problemas. Para qualquer pessoa, a noite foi monótona e amarga, você mesmo nem lembra bem o que fez, só precisava pegar um ar e aquecer a garganta. Se entendeu balance a cabeça confirmando — o homem balançou — Pode ir.
O sujeito foi para a porta, olhou para trás sem expressão e saiu.
Misael congelou. Sua cabeça pulsou para compreender e aceitar o que tinha acabado de acontecer. O motorista se foi e ele estava com dois estranhos, mesmo sabendo que o sujeito do carro não era nenhum conhecido, pelo menos estava na mesma situação e a afeição à tragédia o tornou um amigo temporário. Parece que a amizade durou bem pouco.
A mulher se virou para Misael.
— E você, meu lindo rapaz...?
— Não — interrompeu Antony delicadamente — Ele não precisa.
A mulher saiu de sua postura decidida e disparou olhos interrogativos.
— Podemos falar? — o homem balançou a cabeça para a porta.
A mulher arrumou a postura e caminhou para a porta como se não houvesse mais ninguém no lugar, Antony foi atrás e lacrou o ambiente.
Misael sentiu as pernas voltarem pouco a pouco. Seu corpo foi caindo para o lado e ele apoiou no divã próximo à janela, sentou antes dos joelhos cederem. A cabeça pulsava ainda tentando entender o que estava acontecendo naquele lugar, naquela noite. O ceticismo não permitia o crescimento da ideia de sequestro ou assassinato, mas era tão óbvio que a concepção cabal de tudo perfurava a barreira da tranquilidade forçada, destroçando a chance de simplesmente abrirem a porta e deixa-lo ir como fizeram com o motorista, se realmente o fizeram.
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Sob a noite
غموض / إثارةUma infinidade de gestos, olhares e desejos ganham força à noite. Muitos fazem o que querem quando estão na meia luz. Corpos são largados por aí ainda sujos de prazer, tremendo de medo, quentes ou vazios. Todo mundo olha para noite como alforria par...