2.1. Companhia

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Trilha: TPR - Force Your Way

— Onde estou? — perguntou Misael ao homem chutando onde ele deveria estar de acordo com o ângulo do espelho — Quem é você? Cadê ela?

— Ela quem? — falou o sujeito caminhando de dentro das sombras como um ator indo para um foco de luz no palco de um teatro.

— Ela! A... Não sei o nome dela. Estava com ela e... — Misael procurou memórias — Cara, você entrou aqui como?

O homem apontou para a porta e estendeu uma chave sem chaveiro.

A respiração congelou.

— Você é o marido ou namorado dela? Não sabia que ela tinha alguém, ela estava sozinha na boate e...

— Sou só um amigo, vim conversar com ela.

Misael não acreditou. Passou as mãos no rosto buscando pedaços de informação:

— Não lembro de porra nenhuma!

— Nem o nome dela? — perguntou o homem com uma expressão séria, mas com deboche nas entrelinhas.

Misael não disse nada, sentou na cama, procurou ao redor algum interruptor. Iluminou o chão próximo com o celular mesmo, pegou a calça jogada, errou duas vezes onde se colocava a perna, fechou o cinto. Sentou na cama e sentiu o tapete sob os pés. Apoiou os cotovelos nos joelhos, puxou ar, sentiu a garganta seca e ardendo, como uma inflamação. A saliva desceu como vidro.

— Vou embora, cara — falou ainda olhando para o chão entre os joelhos — Foi mal. Não quero problemas, só vou embora e se você encontrar com ela... Ah! Foda-se!

Ele levantou, pegou a camisa no chão também e rodou no próprio eixo procurando os sapatos, não os achou. Conferiu a carteira na calça e o colocou o celular no bolso depois de desligar a lanterna e mergulhar o quarto de novo na escuridão.

— O nome dela é Lúcia — a voz do homem se aproximou — Ela te encontrou numa dessas boates do bairro. Ela adora ir sozinha e achar um carinha nestes ambientes.

Misael continuou pegando suas coisas, só que mais lento enquanto o homem falava.

— Você deve ter vindo com ela para cá. Não lembra disso, não é mesmo? — Misael só ficou quieto — Ela te trouxe provavelmente de carro, talvez um Uber muito bem pago ou um táxi discreto que não falará nada. Você deve ter tomado todas com ela...

— Não bebi quase nada — Misael parou tentando cavar imagens das últimas horas.

O homem deu uns passos pelo quarto escuro e continuou:

— Então ela te drogou, ela prefere assim.

— Merda... — resmungou tanto pela informação que poderia ter caído nisso de uma piranha de boate e por não estar encontrando os sapatos, abaixou e olhou embaixo da cama. O breu total impedia que ele enxergasse algo.

— Bem provável que ela fez muita coisa com você aqui — o homem deu dois passos — Mas você não vai lembrar de nada, ela te colocou pra dormir mesmo.

Misael pegou o celular no bolso, não queria pedir um favor ao sujeito misterioso para acender a luz, embora a situação fosse ridícula com o celular. Aproveitou o pouquíssimo de bateria e ligou a lanterna para ver embaixo da cama, encontrou o par de sapatos alinhados e atrás dele o rosto da mulher de olhos abertos como um enforcado e boca num ângulo inumano.

— PORRA! — se arrastou para longe da cama e deu com as costas na parede — Cara! Não me mata, por favor! Não fiz nada!

Era possível ouvir os passos do homem no quarto escuro até ele. O homem abaixou próximo ao pé da cama e pela primeira vez Misael pode contemplar o rosto marcado por algumas rugas, uma barba perfeita e alinhada, um nariz reto, olhos profundos de um azul impossível de existir e dentes brancos perfeitamente afiados.

— Se você fizer o que eu mandar, direitinho, cada pedacinho, você não morre. De acordo, meu querido?

Misael sentiu todos os músculos fraquejarem.

Sob a noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora