7.2. O gole escarlate

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Trilha: Careless Whisper - Indiana

Ao lado do Fuelir estava a concorrência, o Glamour. Dois motéis iluminados, de jardins fartos, convidativos. Antony parou entre eles, onde o caminhão do lixo estaciona três vezes na semana, onde a luz não penetra.

Puxou o freio de mão olhando para Misael. Virou para a mulher:

- Vamos aí pra trás, a gente não pode demorar.

- Vem... - ela se encolheu no meio do banco, passando as costas da mão no nariz e depois nos olhos quase fechados - A gente fica rapidinho.

Antony saiu.

Misael apertou o estômago. Um peso caiu nos seus ombros. A mulher atrás não sabia o que estava acontecendo, não sabia quem convidara para sentar a seu lado, não tinha noção da dor, não imaginava a abstinência era melhor que aquilo.

A onda febril da fome pulsou, indo das extremidades até o centro do peito do novato.

Refletiu por um instante. Se fosse como imaginava, ela secaria. Um arrepio correu o meio da espinha. A imagem que montara do fluido percorrendo as veias da prostituta aqueceu seu pescoço, seu ventre, seus braços, suas costas... Não era só fome, era excitação. Isso é errado. Como qualquer violência.

Misael saiu e foi para trás.

Os poucos passos potencializaram a onda escaldante sob a pele.

- Posso pedir uma coisinha? - Antony perguntou com doçura.

- Pode, pede, querido... - respondeu a moça brigando contra a própria letargia.

- Veja os olhos do meu amigo e diz se não é bonito.

A mulher se virou. Misael, que mal sentara, paralisou e, por instinto, abriu os olhos apreensivo.

Antony continuou:

- Olhe bem para eles - enquanto massageava os ombros da mulher - Misael, deixa ela vir, não controla, relaxa. Deixa a vontade vir.

- Os... Os olhos deles são claros... - disse a mulher aproveitando o carinho nos ombros - Não tinha visto que era assim...

Misael fitou naqueles olhos mal tratados, com maquiagem já passada, com bolsas de marcas e vermelhos de tanto coçar, íris dilatadas, pouca vida.

A mulher correspondeu a fixação, vidrando seu olhar nos dois círculos que antes eram castanhos, agora amarelos como topázio. Quase não respirava. Recolheu os ombros, apertou as próprias mãos, tentou se mexer no banco, mas a face se mantinha rígida, sustentando o olhar nos dois pontos amarelos.

As mãos de Antony deslizaram dos ombros para os braços, exibindo o pescoço esguio, tensionado. Mordera num movimento tão forte que a empurrou contra o banco. A mulher segurou a cabeça do agressor apertando contra a pele, gemendo, segurando a própria coxa, com a mão quase entre as pernas.

Misael observou em deleite. Ela gemeu fundo, franziu o corpo, fechou os olhos e só relaxou quando Antony ergueu o rosto para sussurrar:

- Vai sentir um gosto salgado, mas não liga - lambeu os dentes tingidos de vermelhos - Vem - se afastou.

A pobre anônima respirava tão fundo que o peito se inflara, esticando a costura da blusa e o fluido vermelhos desceu como cera. Olhou para Misael no curto segundo que os olhos ficaram abertos:

- Beijo bom... - resmungou.

- Ela não sente dor? - Misael perguntou mais alto do que deveria.

- Alguns, outros não. A maioria sente dor e prazer. A gente aproveita, é melhor que alguém se debatendo. Vai...

Sob a noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora