Trilha: If I Was Your Vampire – Marilyn Manson
Um gole. Apenas um gole foi tomado pelo mortal antes da inconsciência. Antony sacudiu o carniçal desacordado. O peito parou de se mover. Os olhos ainda abertos, mas revirados, vítreos.
Urrou!
Se levantou, deu um soco na lataria e lambeu a própria ferida do pulso. Enquanto ajeitava as mangas da camisa andou de um lado para o outro. Já cogitava o que faria para se livrar de mais um corpo, limpar o carro que lhe foi emprestado, cuidar daquela cena no bar se Natan não agisse corretamente. Um chute na calota do carro e mais um berro.
— Seu filho da puta imbecil! — gritou para o corpo estirado no banco de trás.
Apoiou os dois braços no carro, olhou para baixo, fitou o chão e tentou montar um plano de ação. Ponderou as prioridades. O carro seria uma delas, não tinha como pagar por mais um, a outra seria abandona-lo. Fechou os punhos ao ver sua chance gotejando sangue no banco de trás. A raiva subia pelo desperdício.
— Você precisa se apressar, Bellator — surgiu uma voz rasteira da escuridão do muro do depósito.
Antony sacou sua navalha do bolso, girou e a abriu antes da luz refletir na lâmina. Fixou os olhos azuis na direção da voz, no meio do mar negro e denso da penumbra. Ele já esperava companhia de outro membro — Bellator —, só eles saberiam e ousaria usar a alcunha da sua linhagem.
Cerrou os olhos, fez as sombras se aproximarem como o zoom de um eletrônico mundano. As camadas e objetos saíam de onde estavam, pulavam para frente, num efeito irregular, mas eficiente. As sombras, próximas suficientes para permitir sue vislumbre, delinearam, camuflada, a presença de um homem agachado. Na obscuridade, os olhos brancos como giz da figura arqueada encontraram os seus. O homem minguado e estático, se moveu, e de forma não natural, as sombras que criavam uma cabana de trevas escorreram para os lados como delicados tecidos sendo puxados, contornando os objetos, terrenos e também o homem, voltando para seus devidos lugares, se colando aos elementos do cenário que as possuíam.
O homem caminhou em direção ao carro, mas Antony, antes de sua aproximação lenta, já percebera que era um Morbus, um representante da mesma linhagem asquerosa do Doutor Vax. Este não era menos repugnante, embora possuísse um conjunto anatômico diferente.
Devia pesar mais de cem quilos distribuídos em menos de um metro e meio. As camadas de carne — e possivelmente gordura — se comprimiam no parco espaço. Ele caminhava como um sapo. Coxa, joelho e panturrilha possuíam a mesma grossura, bem maior que sua cabeça ossuda, careca e com orelhas largas faltando-lhes alguns pedaços. Os braços pequenos e tão grotescamente gordos terminavam em dedos enrugados que pareciam salsichas em conserva.
— Quem é esse? — perguntou se aproximando, mostrando dentes frontais pontudos como de um roedor pré-histórico.
— O que você quer aqui? — perguntou Antony, com a navalha aberta ainda, mas escondida às costas — Vigiando?
O vampiro arqueado chegou mais próximo, evitando olhar tanto para os olhos azuis. Antony deu um passo para trás, investigando as outras sombras ao redor. Os Morbus eram como ratos num esgoto, não costumavam andar sozinhos. Vigiavam os confins mais obscuros da cidade, coletavam informação e trocavam entre si como formigas.
— Doutor disse que você viria até a fronteira — falou sentindo o cheiro da lataria do carro — Os invasores, sabe? Ele falou que você ia vir pra cá.
Antony apertou os dedos no cabo da navalha:
— Você foi até o bar?
— Não, não! — o vampiro se encolheu — Ele não é meu domínio, é seu, eu sei e juro que nunca pisei lá, não chego nem perto, meu local é aqui.
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Sob a noite
Mystery / ThrillerUma infinidade de gestos, olhares e desejos ganham força à noite. Muitos fazem o que querem quando estão na meia luz. Corpos são largados por aí ainda sujos de prazer, tremendo de medo, quentes ou vazios. Todo mundo olha para noite como alforria par...