3.1. O Hóspede

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Trilha:Ver 22-20 – Puscifer (Dry Martini Mix)

As cortinas eram grossas e opacas, de um cinza denso, o sol entrava com dificuldade pela brecha do meio. Um feixe de luz pálida diretamente no rosto de Misael. Ele se mexeu com dificuldade e a dor subiu dos tornozelos até a nuca. Uma onda pungente que o fez gemer e trincar os dentes. Segurou a respiração apenas para virar um pouco a coxa, prendeu o grito na garganta ao tentar usar as mãos como apoio para levantar, um choque de dentro dos ossos dos dedos fez o cotovelo ceder e o urro sair.

Engoliu o final do grito e respirou apressado. Percebeu os dedos enfaixados, olhou mais abaixo e notou também as costelas e o pé. Estava nu sob um lençol. Virou a cabeça o quanto deu e se enxergou num quarto à meia luz, cama grande com cheiro de guardada. Era um quarto com pouca mobília, mas requintada. Os itens em preto, branco e cinza, formavam um estilo clean bem diferente da última memória que tinha da sala de estar ou da suntuosa porta de madeira. Não viu suas roupas, mas viu um closet aberto com diversas peças penduradas.

Tentou mais uma vez se mexer sem sucesso. Só o fato de respirar fazia o peito doer. O quarto se iluminou quando a porta foi aberta até o canto. Uma jovem entrou devagar, como se pedisse permissão com os olhos. Era a Lavínia:

— Oi, você gritou.

Misael abriu os olhos enfrentando a luz, levou a mão no rosto e fez uma careta de dor, desistiu de olhar e se concentrou no teto, respirando profundamente. A menina andou pelo quarto e abriu a cortina até o final, fazendo o sol invadir o lugar. De costas perguntou em tom de preocupação:

— Está doendo muito?

— Uhum... — resmungou se concentrando para não explodir em mais um grito, que para ele, era ridículo na presença daquela estranha.

— Você não pode se mexer até isso tudo passar — se virou — Está com fome?

Balançou negativamente a cabeça.

— Mas precisa comer.

Misael gemeu de dor.

— Vou trazer uma refeição pra você. Já volto.

No seu íntimo, desejou aproveitar aquele momento para perguntar tudo o que podia, ele queria comer, queria companhia, queria sair dali, mas até os pensamentos doíam.

Fechou os olhos na esperança de anestesiar os músculos e os ossos. O corpo latejava numa massagem cadenciada dentro da carne feita por mãos invisíveis de vidro. Controlou a respiração, ficou estático. Enquanto tentava acostumar com a dor, se perguntava quem o havia enfaixado, quem teria esse cuidado. Ao mesmo tempo se perguntou se alguém já tinha dado sua falta, seu amigo, seus irmãos. Era sábado de manhã, todos deveriam estar aproveitando o descanso. Que horas são? Ele não tinha mais certeza de nada, só que precisava ir a um hospital. A dor estava voltando. Ardendo e moendo seus ossos do pé, da mão, das costelas, agora as costas também estavam sendo esmagadas por alguma força.

— Pronto, aqui está — entrou a jovem.

Misael tentou olhar pelos olhos semicerrados, ela era um borrão, mas trazia uma bandeja de madeira.

— Você precisa tomar esse comprimido antes, vem.

A jovem colocou nos lábios um comprimido e logo depois água. Engolir aquele minúsculo corpo exigiu um esforço enorme.

— Agora abra a boca para comer — falou a menina aproximando uma colher quente — É mingau. Está bom, pode comer, isso.

A primeira colherada foi acalentadora. Depois da terceira Misael falou:

Sob a noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora