Fourteen.

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Ceci

Deitada no peito de Emma, com a cabeça erguida para admirar seu sorriso e o silêncio pairando sobre nós, cheguei a conclusão de que: não precisávamos dizer nada, quando nossos olhares diziam tudo. E seu sorriso só confirmava o que eu já sabia. Lembrei de quando vivia no automático: é quando a vida está passando, rapidamente, na frente dos seus olhos, mas você está parado porque simplesmente não consegue se levantar e ir viver. Abrir os olhos e não sentir um pingo de gratidão por estar vivo, saudável, respirando. As emoções parecem não conseguir se conectar com você e tudo o que sobra é o vazio. Eu sei, é triste, não faz sentido e parece que quanto mais o tempo passa, menos você sente. É como se perder de si mesmo aos poucos, pedaços quebrados por toda parte e uma voz gritando por socorro, implorando por uma motivação, uma luz, um caminho a percorrer, uma mão para segurar e ser guiado. Quando você se sente vivo, é totalmente diferente. Você sente tudo, mesmo as pequenas coisas como: a luz do sol em contato com a sua pele. Os arrepios causados pelo frio. A sensação gostosa de estar a salvo, seguro, em algum lugar, com alguém especial. Mas o melhor de tudo é, definitivamente, sentir seu coração bater. Saber que você ama e é amado de volta, a gratidão que envolve tudo isso. Não tem preço.

Eu sou grata por inúmeras coisas: por ter um pai que me apoia em tudo, um irmão pra me encher o saco e me fazer rir. Mas principalmente por ter uma namorada que permanece ao meu lado nos meus piores momentos, cuida de mim com todo o amor e carinho do mundo, diz que me ama com palavras e pequenos gestos. O que mais eu poderia querer da vida? Esse é um daqueles momentos em que a gente percebe que tudo tem um propósito. Se Ian não tivesse brigado comigo naquele dia no parque, talvez eu nunca fosse conhecer Emma. E se ela não tivesse se aproximado para me ajudar, não teríamos chegado até aqui. Mas ao mesmo tempo em que acredito nisso, gosto de pensar que mesmo se nenhuma dessas coisas tivessem acontecido, de alguma forma, eu iria encontrar o caminho até ela ou vice-versa.

Sua chegada fez meu mundo voltar a fazer sentido. Eu estava desmontada, destruída, vazia por dentro, minha alma despedaçada. Mas Emma, com todo o amor e paciência do mundo, colocou todas as minhas peças no lugar. Eu podia defini-la como meu encaixe perfeito. Com ela, aprendi que amor não era sobre pertencer a alguém como se fosse um objeto, uma prioridade. Era sobre escolher e ser escolhida. Amar com cada batida do seu coração alguém que te ama o suficiente para te deixar livre. Que te faz flutuar, invés de te prender. Amar era sobre seu coração batendo no mesmo ritmo que o meu, seu olhar dizendo tudo e seu toque me guiando até que eu pudesse chegar ao paraíso. Sobre sua presença deixando a atmosfera mais leve e alegre. Seu amor penetrando cada célula do meu ser, se infiltrando no meu sangue, nas minhas veias, no meu cérebro. Sobre o som da sua voz, cada palavra saindo daquela boca ecoando repetidamente, curvando um sorriso bobo em meus lábios. Tudo o que eu sabia era que Emma me fazia sentir coisas que nunca senti antes, por ninguém. Ela despertava em mim uma intensidade de sentimentos inexplicáveis. E eu estava feliz assim.

{...}

Emma

Depois de tomarmos café da manhã juntas — um momento sem dúvida especial e marcante por ser a primeira vez que fazíamos aquilo — Ceci e eu resolvemos aproveitar o dia. Iríamos voltar no domingo à tarde, então ainda restava muito tempo sozinhas. Tiramos algumas fotos ao ar livre, namoramos bastante e ainda conseguimos ler mais um pouco de não conte nosso segredo. 
— Não acredito que já está quase acabando. — lamentou. 
— Eu também. Como você acha que vai ser o final?
— Não faço ideia, mas se elas ficam juntas, é isso o que importa pra mim. — eu ri. — Por que você tá rindo, amor?
— Não sei, só deu vontade mesmo, amor. Tô muito feliz. 
— Eu também tô, mas alguma coisa me diz que essa risada aí teve motivo sim, você só não quer me contar. 
— Talvez. 
— Me conta? — pediu, fazendo biquinho. 
— Não posso, neném. Talvez algum dia. 
— Me contaaaaaaaa. — pediu, me apertando. 
— Não amor, desculpa. 
— Ah, então é assim, é? Se você não contar, vou ter que recorrer ao ataque de cócegas. 
— Você não ousaria. 
— Dúvida? — me levantei correndo igual maratonista e ela também começou a correr atrás de mim, porém eu fui mais rápida e peguei um travesseiro do sofá, jogando ele em seu rosto. Ela bufou, furiosa e pegou um também, tentando me acertar de todo jeito. Quando ela finalmente conseguiu, tropeçou em alguma coisa e caiu. Um ataque de risada se mostrou necessário da minha parte. — Do que você tá rindo? — perguntou, com voz de choro. Eu ia estendendo a mão pra ela mas a onda de riso foi mais forte e eu joguei a cabeça pra trás, me rendendo. Depois, eu a ajudei a se levantar. Ela massageava a cabeça.
— Da sua queda, oras. — falou, como se fosse óbvio.
— Ah que bonito, minha própria namorada rindo da minha desgraça. — não sabia se ela queria rir ou chorar.
— Na verdade, eu também tava rindo da sua voz de choro. Consegue andar direitinho? — perguntei, preocupada.
— Claro que consigo, eu não quebrei meu pé! — respondeu, visivelmente irritada. 
— Calma, calma, só tô querendo ajudar! — mas eu ainda estava rindo e ela me fuzilou com o olhar. Ceci continuava massageando o local. 
— Será que tem gelo pra por sua cabeça? Isso vai acabar virando um galo. — não resisti e acabei rindo de novo.
— Não tem graça, sabia? — mas ela queria rir também.
— Mas eu tô falando sério! Vem cá. — a coloquei sentada em cima do balcão. — Sabe quem eu sou?
— Emma, minha namorada e amor da minha vida? Eu caí e bati a cabeça, não perdi a memória!
— Vou ignorar essa grosseria porque o meu amor acertou e vai ganhar um beijo por isso!
— Só um? — questionou decepcionada, fazendo biquinho.
— Quantos você quer?
— Todos. — ela colocou os braços em volta do meu pescoço e me beijou.
— Tem certeza de que tá bem? — insisti e ela revirou os olhos, antes de rir da minha preocupação.
— Sim estou, mas agora cala a boca e me beija. — eu ri entre o beijo e ela me puxou para mais perto. Suas pernas entrelaçaram meu quadril e o que era pra ser só um beijo teria virado algo mais quente se o barulho da porta sendo aberta bruscamente não tivesse nos assustado. ouvi gritos e berros. Uma figura alta e trovejante vindo na nossa direção, apontando o dedo na cara de Ceci e fazendo inúmeros gestos com as mãos, em pura fúria. Ian. 
— Mas que porra é essa aqui? — perguntou gritando, como se tivesse algum direito. 
— O que você tá fazendo aqui? — Ceci questionou, incrédula e assustada.
— Então foi por ela que você me trocou? Uma garota? — ele gritava. Meu coração errou uma batida. Não conseguia me mover.
— Sim, eu queria ficar com Emma, mas isso só aconteceu muito depois que terminamos. Não aja como se a errada nessa situação fosse eu. — ela tentou soar calma, mas eu a conhecia o suficiente para saber que a qualquer momento, iria explodir. 
— Emma? Aquela amiga de quem você tanto falava? Então ela é a responsável por você ter virado sapatona? 
— Eu não virei! Olha o que você tá dizendo, seu imbecil! Saí daqui agora! — ela gritou, apontando a direção da porta.
— Você sabe que vai pro inferno, não sabe? Acha que vai ser perdoada por cometer um pecado desses? Você vai pro inferno, Ceci, pro inferno! Como eu pude ser tão idiota? Esse tempo todo você inventava desculpas quando na verdade, estava me traindo com uma filha da puta dessas. É isso o que você é também, uma filha da p... — e num piscar de olhos eu estava em cima de Ian, dando socos em seu rosto sem parar, descontando toda minha raiva ali. Não sei como eu fui parar em cima dele e também não sei de onde tirei tanta força, mas não importava. Ceci começou a chorar e a soluçar, partindo meu coração em mil pedacinhos. Aquilo só me motivou a continuar o que estava fazendo. Ele ainda conseguiu acertar um soco em minha boca, mas quando eu estava pronta para revidar, fui tirada de cima dele.
— Vamos embora, já chega! — o rapaz falou, segurando Ian pelos braços. — Eu achei que ele só fosse confrontar vocês. Eu não sabia… — tentou se explicar, mas parou assim que Ian começou a se debater mais forte, quase se soltando.
— Isso não acaba aqui, entendeu? Você ainda vai pagar caro por isso, sua desgraçada! Espero que você queime no inferno! Você e essa sua namoradinha de merda! — quando a porta bateu, Ceci veio até mim, cautelosa.
— Você se machucou, meu amor? — havia dor na sua voz e aquilo me quebrou. 
— Só meu lábio... Ai! — gemi de dor quando encostei o dedo e o ferimento ardeu.
— Vem aqui, vamos cuidar disso. — ela me puxou pra sentar no banco e foi pegar alguma coisa na cozinha. Quando voltou, com algodão e uma pomada, senti a tensão de sua alma me atingir em cheio. Laço.
— Consigo sentir. — sussurrei enquanto ela passava a pomada em cima do que eu não sabia se era corte ou inchaço.
— Isso vai doer… — murmurou ao cuidar do ferimento. 
— O que? 
— Eu acho que devemos... Nos afastar. — ela falou de uma vez. — Talvez terminar.
— Mas por que? 
— Você entendeu. Precisamos terminar, isso... — sua voz soou séria, me atingindo mais fortemente do que o soco de Ian.
— Não, você está mentindo! Se isso for uma brincadeira eu juro que… — mas ela me interrompeu. 
— Não tô brincando. Isso termina aqui.
— Então é assim? — minha voz estava falhando por conta do choro preso em minha garganta. — Vai simplesmente terminar comigo por causa do que acabou de acontecer?
— Ouviu o que ele disse? Estou fazendo isso pra proteger você! — ela parou no lugar, antes de caminhar lentamente na minha direção.
— Não, não, não. Você não pode me deixar... — as lágrimas caíam e meu coração doía. Eu estava quebrando, me partindo ao meio. — Por favor, me diz que é um pesadelo!
— Eu queria mesmo que fosse, mas prefiro ficar longe de você do que te ver correndo perigo. Ele é capaz de tudo e eu não posso arriscar tanto. Não posso arriscar aquilo que eu mais amo. 
— Você não está lutando por mim. Por nós. — doeu dizer aquilo em voz alta. — Vai se render assim tão fácil?
— Não quero. — ela se aproximou mais. — Juro que eu não quero fazer isso. Mas não posso permitir que ele faça algo com você.
— Quero te odiar, porque você está desistindo sem lutar. Quem sabe até te xingar por acabar com um " nós " assim, mas não consigo. — confessei, com voz de choro. — Não sou assim.
— Eu prefiro você me xingando do que seu silêncio excruciante. — falou sem me encarar. Tudo em minha estava doendo, latejando. A sensação que eu tinha era uma lâmina na minha garganta, impedindo a passagem do oxigênio. 
— Não consigo respirar... Será que... Podemos... — as palavras estavam tão embaralhadas em meu cérebro que eu mal conseguia raciocinar. — Será que podemos ter um último... Beijo? — em meio a tantas lágrimas, ela sorriu pra mim. Suas mãos foram parar ao redor do meu pescoço, como sempre e suspirei quando nossos olhares se prenderam um no outro, antes de sua boca encostar na minha, quase hesitante. Era um beijo diferente de todos os outros, mais lentamente que o normal, quase como se quiséssemos parar o tempo só para ele. E mesmo quando o intensifiquei, explorando cada centímetro de sua boca com a minha língua, tentando desesperadamente memorizar o gosto intenso do nosso beijo, não era suficiente. Nunca seria. Mesmo tendo cada pedacinho de Ceci comigo, eu ainda seria insaciável. Era nosso último beijo e eu não queria soltá-la. Na verdade, o que eu queria mesmo era pegá-la no colo, levar ela pra cama e tentar, mesmo que inútilmente, fazê-la mudar de idéia com minha boca passeando por todo o seu corpo, fazendo-a transbordar com todo o meu amor. Mesmo se eu fizesse isso, ainda teríamos que nos despedir em algum momento. Quebrar aquele laço. Eu não estava pronta para aquilo. Ela também não parecia pronta para se despedir, agarrando-se firmemente ao meu corpo, minha boca. Desejei do fundo da minha alma que aquele beijo não tivesse fim. Mas talvez tenha sido tarde demais pra pedir qualquer coisa porque mesmo relutante, separamos nossos lábios e a sensação que eu tinha era do laço se partindo ao meio, literalmente. Uma parte de mim ainda estava com ela. E uma parte dela estava comigo. Metades que antes se encaixavam, agora tinham que permanecer sozinhas, quebradas. 
— Eu sei que você não entende agora, dói em mim também, céus, como dói. — ela olhou para cima na tentativa de conter uma lágrima mas não foi suficiente, teimosamente ela caiu de qualquer forma. — Não consigo explicar o quanto odeio ter que fazer isso. Mas se estando com você, te ofereço algum risco, prefiro a morte. Prefiro viver uma vida completamente infeliz, voltar a me sentir vazia, viver no automático... Mas se você estiver a salvo, vale a pena ter meu coração destruído. Vai haver um dia... em que isso... Nós.... Vai ser possível. Não agora, nem amanhã, nem depois. Mas algum dia, vou correr até você e sussurrar " esse é o nosso momento, meu amor. Nosso finalmente ". — ela riu, tentando segurar o choro, antes de depositar um selinho em meus lábios.
— Se o nosso amor... — hesitei, pois meu peito latejou. — for mesmo forte, ele... Vai sobreviver ao tempo que for, certo? Você acredita nisso? 
— Eu acredito. Com todo o meu coração. — garantiu, segurando fortemente minhas mãos. — Vamos guardá-lo em um lugar seguro.
— Promete sempre estar comigo, mesmo que só como amiga? — pedi, sentindo meus olhos marejarem.
— Prometo ser aquela que sempre vai torcer pela sua felicidade, mesmo que ela não esteja comigo. Vou estar na primeira fila vendo você conquistar seus sonhos, te aplaudindo de pé. — Ceci me abraçou e eu não quis soltá-la. Ela cruzou nossos dedinhos e sorriu. — Vamos sempre cuidar uma da outra, não importa como ou de onde. É uma promessa que não vamos quebrar nunca.
— Nunca. — sussurrei, beijando sua mão.

Minutos depois, estávamos na estrada, deixando aquele lugar. Acho que nós duas concordávamos que não fazia sentido continuar ali, não só pelo que tinha acontecido, mas porque seria difícil estar perto uma da outra quando só queríamos ficar sozinhas e chorar um pouco. O silêncio, percebi, significava tanta coisa. E quando começou a tocar miss americana, notei que ela permitiu que algumas lágrimas caíssem, ou talvez era inevitável, também deixei que algumas caíssem. Pouco antes do pôr do sol, já estávamos de volta, mas Ceci parou muito antes da minha casa e olhei para ela sem entender. Ela suspirava, olhando para alguma coisa à sua frente. Então, ela me puxou pela nuca com uma rapidez que eu mal consegui processar, não dei a mínima. Só me importava com sua boca cobrindo a minha, um beijo rápido, mas tão bom que eu não estava nem um pouco preocupada com o ar se mostrando necessário. Aquele beijo parecia uma promessa: isso não acaba aqui. Talvez eu quisesse que ele fosse. Esperava que aquilo fosse um pesadelo e que no instante em que eu saísse daquele carro, iria acordar, assustada, em seus braços. Ela iria beijar minha testa e garantir que tudo estava bem, antes de eu me aconchegar ainda mais em seu peito. 

Nada disso aconteceu, a realidade bateu em minha porta com força. Eu definitivamente nunca iria esquecer daquele som. O pior que eu já tinha ouvido. 

Meu coração se quebrar. 

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