Capítulo 5 - Amigas

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Quando acordei, já eram mais de oito horas. Levantei, troquei de roupa e desci para tomar café. Uma pausa para falar do café. Que sabor, que aroma. Completamente diferente do café a que eu estava acostumada. E os pãezinhos? Massa leve, macia. O café da manhã em Roma é um momento para se apreciar. E foi o que fiz. Apreciei cada gole de café, cada mordida no pão, o sabor do queijo, as frutas. Passei a prestar atenção aos detalhes. Senti-me melhor, mais tranquila.

Acabei de comer e subi para o quarto. Falei com meus pais, durante um tempo e mandei uma mensagem para minhas amigas. Por sorte, era sábado e as duas estavam online e em casa. Fizemos uma ligação pelo Skype para que eu pudesse atualizá-las do que realmente estava acontecendo.

- Olá, amigas! Como vocês estão?

- Li! Onde você está? Ninguém fala nada com a gente. Michel, Rodrigo, seus pais. Que mistério! – Disse Ana.

- Desculpem. Tudo aconteceu tão rápido. Vocês falaram com Michel?

- Sim, eu mandei mensagem para ele. Ele disse que não sabia quando você voltava. Que você não tinha dado detalhes da viagem. Ficamos preocupadas achando que algum cliente tivesse te ameaçado no trabalho. – disse Tina.

- Ah, amigas. Desculpem. Eu estou em Roma.

- Roma? – ambas se surpreenderam.

- Sim. Há alguns dias descobri que Michel estava me traindo. Bem, que já tinha me traído e continuava me traindo.

- Como é?

- Pois é. Eu estava lendo uns depoimentos do trabalho e resolvi procurar umas anotações da época da faculdade. Tem aquele armário em que guardamos coisas velhas, que quase não mexemos. Quando subi na escada para pegar a caixa das coisas da faculdade, atrás da caixa havia um embrulho pequeno. Claro, fiquei curiosa e fui olhar o que era. Era um bichinho de pelúcia, e uma pulseira linda. Tinha um bilhete que dizia "para meu amor, no nosso aniversário. Te amo." Achei que era para mim, pois faltava mais ou menos um mês para nosso aniversário de casamento. Coloquei de volta no lugar, fiz como se não tivesse visto nada. Peguei o que precisava na caixa e coloquei de volta no lugar. No dia seguinte, fui guardar os papeis na caixa de volta e o embrulho não estava mais lá. Procurei por toda parte e não encontrei. Fiquei desconfiada aí. Entrei na página da conta corrente dele, e fui olhar o extrato do cartão. Achei a loja do presente lá. Achei também outras lojas de presente. Comecei a vasculhar os meses anteriores. Achei hotéis, almoços em dias em que ele deveria estar em casa, enquanto eu estava trabalhando. Como era sempre ele responsável pelas contas da casa, nunca me dei ao trabalho de olhar as faturas. Ainda bem que eu tinha as senhas anotadas, banco, sites, computador, pois nem lembrava de cabeça. Entrei no Facebook dele que, por sorte, estava logado. Comecei a encontrar as mulheres. As conversas, até fotos que elas mandavam inbox. Então fui olhar mais a fundo em casa, encontrei uma caixa com fotos, cartas, cartões de natal, aniversário, até notas fiscais, tudo escondido embaixo da última gaveta da cômoda do quarto. Encontrei coisas da época em que começamos a namorar, fotos com garotas da minha turma, que andavam comigo. Eu fui muito cega.

Nesse momento, aquele último choro que estava preso na garganta saiu como uma cachoeira. Eu ainda não tinha contado a história inteira para ninguém. Tina e Ana ouviram tudo em silêncio, mas suas expressões não negavam que estavam em choque, assim como eu fiquei.

- Foram doze mulheres que eu consegui encontrar. Deve ter havido mais. Com certeza. Essas foram as que duraram mais tempo e houve algum tipo de envolvimento. Mas certamente ele esteve com mulheres por breves períodos. Eu joguei todas as coisas dele pela janela, troquei a chave do apartamento, peguei minhas coisas e fui para a casa dos meus pais.

- Lili, nossa. Eu sinto muito. Que canalha! Esse tempo todo posando de bom moço. Crápula! – disse Tina. Seus olhos estavam marejados. Nós três tínhamos uma amizade muito forte. Sentíamos o que as outras estavam sentindo.

- Meninas, desculpem não ter procurado vocês. Eu fiquei desnorteada. Eu conversei por alto com o Rodrigo porque precisei faltar o trabalho no dia seguinte. E quando ele soube, me deu duas semanas de férias e me ajudou a vir para cá. Eu fugi porque não tinha condições de encarar o Michel. Quando ele apareceu na casa dos meus pais, minha vontade era de bater nele. Mas acho que nem para isso eu tinha forças.

- Entendemos, Lili. Não se preocupe. Pode deixar que a gente esmaga a cabeça dele. – Tina sempre foi mais explosiva. Quem olhava aquele doce de menina romântica, não imaginava que era faixa preta de karatê e que derrubava um homem com o dobro do tamanho dela.

- Lili, sinto muito. Nunca esperaríamos isso dele. Realmente sempre pareceu ser apaixonado por você. Nunca faltou um evento, nunca esqueceu uma data. Ele parecia perfeito. – disse Ana.

- Sim, agora parece que era perfeito demais. Como se precisasse encobrir algo e não ser descoberto, não é?

- Agora que você colocou dessa forma, sim. Perfeito demais.

- O que eu ainda não entendo é o por quê. O que eu fiz? Será que estava trabalhando demais e deixando ele de lado? Será que eu não era boa de cama o suficiente? O que estava faltando?

- Lili, não entra nesse caminho. É um caminho sem volta. Você começa a se culpar e daqui a pouco vai estar pedindo desculpas a ele por ele ter traído você e vai estar se desdobrando para fazer o relacionamento "dar certo". Você não fez nada. Isso é dele. É um problema dele. E o que aconteceu quando ele encontrou as coisas dele na rua e a porta trancada?

- Ele ligou um monte de vezes para mim, para os meus pais, depois foi até lá. Meu pai expulsou ele.

- Olha, minha amiga, eu concordo com a Ana, sabe? Não é culpa sua. Não acho que haja uma culpa. Pela quantidade de amantes, isso me parece um comportamento compulsivo, quase patológico. Também acho que seja coisa dele. Talvez da criação, vai saber. Mas e agora? Quando você volta? O que você pretende fazer quando voltar?

- Volto em doze dias. Rodrigo está agilizando o processo do divórcio. Vou ficar na casa dos meus pais até encontrar um lugar para mim. Já peguei a maioria das minhas coisas. Faltam só as coisas maiores, alguns móveis e eletrodomésticos.

- E como é Roma? O que você tem feito por aí? Conheceu alguém? – Ana começou a mudar de assunto para tentar me animar.

- Sim! Como está se virando sozinha? Nossa! Sempre quis conhecer a Itália!

Passamos horas conversando sobre outras coisas. Contei sobre meus primeiros dias na cidade, sobre a boate, a praia, o local. Evitei detalhes íntimos. Isso ficaria para a volta. Foi maravilhoso conversar com elas. Foi maravilhoso desabafar. Estava sentindo falta das minhas amigas. Passei o domingo no hotel. Falamos durante umas quatro horas. Tomamos cerveja juntas via Skype. Depois fiz uma chamada de vídeo para os meus pais e para o Rodrigo. Estava começando a me sentir realmente melhor. Acessei meu facebook, pela primeira vez em dias. Não troquei meu status de relacionamento porque não queria que Michel viesse me mandar mensagem agora. Então apenas vi mensagens de outras pessoas, postagens, compartilhei algumas imagens de Roma. Vi que Julieta tinha me adicionado e também o Giovanni. Fiquei feliz. Achei um filme para assistir na Netflix, pedi uma pipoca na recepção e passei o restante da noite assistindo filme, comendo pipoca e tomando cerveja.

Dormi bem melhor essa noite. Não tive pesadelos, não acordei assustada, nem cansada. Eu sabia que quando voltasse para casa teria que enfrentar todos os problemas novamente. Sabia que teria que conversar com Michel, que iria ficar abalada e ia ter dúvidas sobre o divórcio. Já tinha visto isso inúmeras vezes com meus clientes. Sabia que ele ia pedir desculpas, ia se mostrar arrependido e ia prometer mudar. Tudo isso era quase um roteiro seguido pelos casais. Sabia que a viagem era para me dar um tempo, para redescobrir a mim mesma, pois estava separada de mim havia muito tempo. Quando dormi, tinha consciência de todas essas coisas, mas fui dormir decidida a fazer meu relacionamento comigo dar certo. Os outros problemas seriam resolvidos no seu devido tempo. Acordei no domingo leve e descansada, pronta para ir conhecer o horto botânico de Roma. 

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