Tomei café no hotel, Julieta já tinha saído do trabalho. Já devia estar em casa dormindo. Voltei para o quarto, escovei os dentes, peguei minha bolsa e saí. Descobri o caminho para lá de metrô e fui. Gostava do transporte público porque me dava a oportunidade de ver o dia a dia dos moradores da cidade. Gostava de observar as pessoas. Vi um casal de idosos sentados de mãos dadas, fiquei emocionada ao ver o amor vencer o tempo e me perguntei se alguma vez ele a teria traído e se ela o teria perdoado. Achei melhor pensar que não. Mentalmente, criei uma história de amor para eles: ela era judia e ele, filho de alemães. Eles haviam se conhecido no período da II Guerra, ainda muito jovens. Se apaixonaram imediatamente. Ele a havia ajudado a se esconder dos alemães e depois da guerra, haviam assumido seu amor e estavam juntos até hoje. Vi uma jovem de cabelos meio verdes meio azuis, vestindo uma blusa xadrez de manga, um short jeans, meia-calça arrastão rasgada e botas estilo exército. Para ela imaginei que seria uma jovem empresária, estilista, ativista dos direitos das mulheres, uma jovem segura e independente. Vi também uma mãe com seu bebê no carrinho, imaginei uma moça que havia perdido o marido em um acidente e estava lutando para conseguir trabalhar e cuidar do bebê. Fiquei muito triste quando imaginei a história dela e percebi como meus pensamentos tinham força. Eu podia guiar meus sentimentos para diversas direções com meus pensamentos. Achei melhor pensar em coisas bonitas e felizes. Vi, então, um homem muito bonito. Negro, alto, não muito forte, mas com o corpo bem definido, barba cerrada, calça jeans ajustada ao corpo, blusa simples de manga comprida, sapatos sociais. Fiquei impressionada. Tanto que não consegui pensar em uma história para ele, apenas fiquei admirando. Quando ele viu que eu o estava olhando, desviei o olhar e senti meu rosto corar.
Desci na estação e, após uma breve caminhada, cheguei ao horto. Não tenho palavras para descrever a maravilha que é aquele lugar. Uma variedade infinita de plantas, até bambus eu vi. Claro que a maioria das plantas eu não conhecia. Caminhei vagarosamente, admirando cada detalhe, respirando cada aroma. Sempre gostei muito de flores, mas como morava em um apartamento não muito grande, tinha apenas alguns vasos de planta. Além disso, Michel era alérgico a alguns tipos de flores, o que limitava minhas escolhas. Em casa eu tinha uma samambaia, uma jiboia e alguns cactos.
Mais ou menos no centro do horto havia um jardim japonês com o qual fiquei encantada. Era tão calmo que parecia que eu tinha passado por um portal e chegado a outra dimensão. Não tinha ruídos externos, apenas as pessoas andando por lá e os sons da natureza. Sentei em um banco e fiquei ali. Fechei os olhos e apenas respirei. Tentei absorver a paz daquele lugar, os aromas, as texturas, as cores que vi, tentei memorizar tudo. Não sei quanto tempo fiquei ali, apenas me deixei ficar em paz.
Continuei caminhando, o lugar era imenso. Havia um museu lá dentro que dei o azar de encontrar fechado, pois era domingo. Caminhei o mais lentamente possível, parando a cada dez metros. Fotografei centenas de paisagens. Decidi que queria morar em um lugar em que pudesse sentir aquela paz. Queria plantas, queria ouvir pássaros, queria ver esquilos. Onde eu morava não tinha nada disso, apenas barulho de carros, sirenes, sinal de escola, crianças gritando, vizinhos. Chega. Eu não queria mais aquilo. Precisava encontrar um lugar mais afastado quando fosse procurar uma casa. Queria ter muitas plantas em casa. Aquilo sim era vida.
Passei por uma incrível escada que rodeava uma cascata. Parei para absorver o som da cascata. Voltei para o lugar que gostei mais, o jardim japonês. Caminhei durante cerca de duas horas lá dentro. Depois sentei no jardim e ali fiquei por mais tempo. Poderia ter passado o resto da viagem ali. Fiquei admirando o silêncio, as pessoas. De vez em quando passavam algumas crianças correndo e seus pais rindo logo atrás. A sensação era de que o tempo tinha parado. Que tudo o que ali estava permaneceria inalterado para sempre. O vento batendo nas folhas me trouxe uma paz inexplicável. Realmente era um fato, eu precisava de um jardim, precisava me afastar da cidade grande.
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Flores como Eu
RomansaApós descobrir a traição de seu marido, Lidia parte em uma viagem de reencontro consigo mesma. Na Itália, ela conhece pessoas que a fazem repensar sua vida e rever suas prioridades. Em um mágico encontro com a natureza e as pessoas, Lidia descobre q...