Três semanas depois, já com os documentos prontos e em vias de assinar a escritura, levei meus pais para conhecerem o local. Aproveitei para levar um balde para molhar as plantas secas. Mesmo com chuva, aparentemente não estava sendo suficiente para suprir as necessidades da terra. Então peguei o balde, enchi com água no tanque e molhei o canteiro, molhei as árvores, molhei a grama, molhei o brotinho e conversei com as plantinhas. Prometi que elas não ficariam abandonadas novamente. Elas agora teriam quem as molhasse todos os dias.
De repente, ouvi um gemido, um chorinho baixinho, quase imperceptível. Eu e meus pais procuramos a origem do barulho e encontramos, embaixo da pia da cozinha, dentro do armário, um gatinho. Não era muito filhote, mas parecia muito doente, estava muito magro e frio. Tirei o casaquinho que estava usando, me aproximei do animal e coloquei o casaco sobre ele. Devia estar realmente mal, pois não reagiu quando o toquei. Apenas continuava tentando miar. Peguei-o no colo e vi que havia sangue no chão. Aquele bichinho estava morrendo. Levamos imediatamente a um veterinário.
O médico encontrou o motivo do sangue: aparentemente o gato tinha sido agredido na rua. Sua cabeça estava bem machucada. Ele devia ter conseguido escalar o muro da casa e pular – ou cair lá dentro – num momento de distração de seu agressor. Provavelmente entrou pela janela aberta e se escondeu embaixo da pia.
Segundo o médico veterinário, sua temperatura estava muito baixa e ele estava desidratado. Ele precisaria de exames e tratamento intensivo. Autorizei que o veterinário fizesse o que fosse preciso para salvar o bichano, que recebeu o nome de Sorvete por causa da temperatura baixa, não queria que o pobrezinho morresse. Embora o médico tivesse dito que ele corria sério risco, a mim me parecia que ele havia pedido socorro quando reuniu suas forças para miar alto o suficiente para que eu o ouvisse. Se ele sobrevivesse seria meu.
Sorvete ficou internado e fez vários exames. No dia seguinte, fui visitá-lo e o veterinário disse que ele estava reagindo bem, mas que ainda estava muito fraco. Os exames laboratoriais estavam bem ruins, mas segundo ele não seria necessário fazer transfusão de sangue, apenas cuidar muito do fígado que estava bastante prejudicado e da anemia. A ferida da cabeça não era tão grave, afinal, apenas é uma região que geralmente sangra bastante, e havia diversas lesões, uma, inclusive, na orelha, onde ele recebeu alguns pontos, tendo sido necessário fazer um curativo.
Sorvete estava comendo e bebendo água por conta própria, segundo me informaram, mas com dificuldade de ficar em pé. Fui, então, até a internação. Ele era uma coisinha magrela, branca e preta, com nariz rosa, olhos amarelos e bigodes cortados. Estava com um curativo na cabeça que parecia um capacete e que acentuava ainda mais sua magreza. Ele deixou eu fazer carinho e até ronronou para mim. O veterinário disse que ele devia ter cerca de sete meses de idade.
Durante uma semana, eu o visitei todos os dias. A melhora dele foi visível. Ao final da semana, depois de reavaliar todos os exames, Sorvete recebeu alta. Levei-o para a casa dos meus pais, onde eu já estava encaixotando as coisas. A reforma havia começado na casa nova e eu assinaria a escritura no dia seguinte. Deixamos as janelas fechadas para Sorvete não se aventurar e correr risco de cair de lá de cima. Foi uma festa. Ele era uma gracinha e dormiu comigo, grudado no meu pescoço. Mandei várias fotos dele para Luigi tanto durante a internação como quando chegou em casa. Ele adorou o nome que escolhi.
Um mês depois, com a obra da cozinha e da área de serviço finalizada, nos mudamos.
Sorvete ficou assustado no início, mas logo foi correr pela casa e brincar no quintal. Fizemos a mudança em um feriado de sexta-feira, assim tive todo o fim de semana para arrumar a casa. Meus pais me ajudaram, assim como Rodrigo, Tina e Ana. Tinha pintado toda a casa, lavado tudo e preparado tudo para que o lugar fosse seguro para Sorvete não pular o muro novamente.
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Flores como Eu
RomanceApós descobrir a traição de seu marido, Lidia parte em uma viagem de reencontro consigo mesma. Na Itália, ela conhece pessoas que a fazem repensar sua vida e rever suas prioridades. Em um mágico encontro com a natureza e as pessoas, Lidia descobre q...