Lar, um... barulhento lar.

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    - Você não quer ser como os outros, Hwitaek?

E os choques elétricos voltaram a queimar o pescoço da criança que gritava e esperneava de dor com lágrimas constantemente descendo pelos seus olhos, seus pulsos e calcanhares estavam amarrados a maca, havia aparelhagens conectadas a todo seu corpo, principalmente cabeça, todos os dados de seu corpo estavam sendo monitorados em telas holográficas de alta tecnologia, seus olhos chegavam a revirar e a boca a espumar, um líquido azul escuro estava sendo injetado nele como uma espécie de soro.

A pergunta sempre era retórica, eu mal estava ali por vontade própria, não é como se eles se importassem se eu queria ou não ser como alguém. Eu devia ser como eles queriam que eu fosse. Mal lembro quantos anos eu tinha, são poucas as memórias que qualquer um de nós guardamos, a mais antiga da maioria é de acordar diante a um prato de comida, um purê amarelado sem gosto de nada e um copo de água, todos nós, os dez reunidos em uma mesa retangular, cada um servido com seu prato e água, em uma sala grande demais pra só ter uma mesa com um teto, paredes e chão brancos, ladrilhos que pareciam nunca ter conhecido um grão de sujeira. Em uma das beiradas da mesa, eu e em outra, um homem de meia idade que todos nós só vimos uma vez e ninguém lembra de nenhum traço seu, além de sua silhueta de um homem de meia idade poderoso, este não tinha prato algum, ele estava ali parecia que só pra nós esperar acordar.

Essa é a primeira lembrança da maioria, e é a verdade em que a maioria acredita.

Já eu, não.

As sessões aconteciam uma a três vezes por semana, era peculiar, porque eles diziam que faziam pra despertar meus poderes, mas eu não me lembrava do Hyojong passando por nenhuma delas, sendo que ele também não tinha nenhum por maior parte da nossa estadia naquele lugar. Ah, vocês não devem estar entendendo muita coisa, mas deve de se fazer sentido com o tempo e com o decorrer da história. O que importa agora é que somos dez membros, diziam que estávamos crescendo juntos para nos tornar parte de algo maior. Não víamos a luz do sol diretamente, nem conhecíamos nada que não fossem teto, paredes e chão brancos, um pouco de vidro e metal, além de muita, muita porcelana. De alguns lugares se dava pra ver um pouco do céu, mas diziam que não era relevante pro nosso crescimento tentar ir lá fora. Sempre me perguntei o quê era o ''lá fora'', de lá eu só conhecia o céu, o azul, as nuvens, as estrelas, e às vezes conseguimos ver a lua! E quando conseguimos o ver, brincávamos de quem conseguia olhar para o sol por mais tempo! O Yuto sempre ganhava, por muito tempo nós perguntamos se ele tinha sentimentos, às vezes até se sentia dor, tínhamos que o tirar do caminho do sol para que não ficasse cego o resto do dia.

Bem, tirando as sessões, nada de lá me fazia realmente infeliz, eu tinha amigos e era o que eu conhecia. Não se sente falta do quê não conhece.

Mas as sessões, e aos poucos os testes aos quais éramos submetidos, foram fazendo da minha vida um inferno.

- Hwitaek, tente se esforçar mais, você tem talento. Lembre-se que seu time depende de você.

Meu time depende de mim.

Mais uma onda de choque elétrico era lançado sobre minha garganta sempre que ouvia isso, fazia o líquido azul borbulhar por meu sangue e até hoje eu me pergunto como estou vivo.

- Hwitaek!

Hoje eu estava seguindo meu caminho.

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Hui se sentou na cama subitamente, com suor escorrendo por sua testa, mesmo que mal fizesse calor, a respiração pesada e o corpo dolorido. Resmungou ao perceber que tinha sido só mais um pesadelo, colocou uma das mãos sobre as cicatrizes no pescoço, suspirou e caiu de novo na cama procurando encontrar novamente o sono, mas invés disso percebeu um misto de vozes aumentando o tom no andar de baixo ao do seu quarto. Resmungou de novo e cobriu a cabeça com o cobertor na tentativa de silenciá-las para si. Sempre que tinha esses lapsos de memória seu humor decaia, geralmente era alguém animado mas hoje não foi um dia de sorte.

GORILLA - PentagonOnde histórias criam vida. Descubra agora