Legitimidade da vida

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''Estão tentando nos matar?''

''Temos que ser crianças exemplares.''

''Só os melhores irão debutar.''

''Os melhores são os que permanecerem vivos?''

''Estamos nos matando de tanto trabalhar.''

Nossa gaiola tinha forma de um Pentagon,

E às vezes éramos tratados como animais.

Mas outras éramos crianças exemplares.

E então todas as paredes, chão e teto se tornavam brancos.

Até tudo se tornar vermelho.

[ . . . ]

Na escola aprendemos como a humanidade podia ser ruim, mas não é como se nos ensinassem que éramos uma espécie superior, isso ficava a critério de cada criança. Pra nós na maioria das vezes nos considerávamos inferior. Criados em cativeiro para servir e proteger, sem o direito de perguntar o porquê daquilo. E sinceramente não era uma pergunta rotineira, afinal a resposta era simples á todos nós. Fomos criados pra isso. Se rebelar não fazia sentido quando tudo que conhecíamos eram as paredes, chão e teto brancos. O que víamos na escola era apenas matéria a se aprender, como se mais fosse um conto de fadas. Como se a bola de fogo que viaja pelo céu, e que nos ensinaram a chamar de sol, tivesse mesmo todo aquele espaço pra viajar e ficasse repetindo os lugares por vontade própria. Wooseok tinha a teoria que era uma laranja no fim das contas, Hui acreditava fielmente que era uma lâmpada, afinal nós ensinaram que era ele quem iluminava a vida. Já eu achava tudo aquilo besteira, obviamente que o famoso sol não era o único responsável por iluminar a vida. Havia a eletricidade também! Se o sol ilumina tanto a vida porque teríamos aprendido a manipular a luz? E por que sempre ficam tirando os créditos da injustiçada lua? Já ela tinha um exército! E não precisava se sentir sozinha como sol.

Eu preferia ser como a lua e o Shinwon concordava comigo, Shinwon e o Hyojong eram os que mais tinham um espírito de liberdade, que nenhum de nós conseguíamos entender. Diziam bobagens sobre as aulas e diziam que deviam morder as paredes até que as atravessássemos. Hyo tentou cavar as paredes uma vez com as unhas, passou uma semana amarrado a uma camisa de força... ele gostou daquele estilo novo de roupa, não ficava parecido com todo mundo. E na semana seguinte estava a usando de novo, depois Shinwon estava com ele e os dois ficavam brincando de bater ombro com ombro.

E então começaram a ser presos em quartos separados, eu nunca vi nenhum desses quartos, mas sei que eles nunca mais voltaram a vestir aquelas roupas depois disso. Hyojong não era sempre uma criança exemplar.

Nunca cheguei a entender porque atiraram no Shinwon primeiro.

''Ele não é uma criança exemplar, por isso não deve debutar com vocês garotos.''

Antes disso, antes do sangue do Shinwon pintar o chão branco de vermelho, nós já tínhamos conhecido a morte sim. Desde que me entendo como alguém com memória, sempre treinávamos nossos poderes em objetos ou em pessoas que eles diziam ser medíocres, criadas para aquilo, pouco tempo depois eu entendi que pessoas ''criadas para aquilo'' eram pessoas que não tinham um propósito legítimo para vida, e à pessoas sem propósitos legítimos, podem ser atribuídos qualquer um que faça da sua vida valer alguma coisa. Então dávamos dignidade para elas, mesmo que não entendessem isso e ficassem fazendo barulho e se dependendo. Especificamente EU já ouvi muito implorar pela vida, na Downside às vezes eu conseguia controlar o tempo também dentro da minha cabeça, poderia o fazer ser eterno ali, mas eu realmente havia pegado um sentimento ruim pela cor vermelha e ter ela cercando todo milímetro de espaço que meus olhos percorriam me dava dor de cabeça e principalmente me fazia me lembrar das pessoas que vi se lamentando na minha frente. Família, sonhos, justificativas para viver infundadas que pra mim não fazia o mínimo sentido. Nenhuma delas parecia realmente saber pra que foram criadas... Eu as dava dando um propósito legítimo não era?

O dia que questionei me perguntaram se crianças exemplares tinham dúvidas sobre o que lhes eram ensinadas.

Deixaram de achar o Shinwon uma criança exemplar, e o sangue dele fez uma enorme mancha no chão.

Lembro-me da sombra dos meninos em pé sobre o corpo, lembro-me de ter mantido distância e ter me encolhido em algum canto e deixado os olhos vazarem. Qual foi o propósito legítimo de tirar a vida do Shinwon? Quando as pessoas deixam de ser exemplares elas devem ser eliminadas? Lembro dos meninos me perguntarem por que eu estar chorando. Shinwon ao menos teve a chance de implorar pela vida. Porque pessoas sem propósito legítimo imploravam pela vida se obviamente não eram exemplares?

E'DAWN NÃO TINHA PODERES

Lembro-me que foi o Shinwon quem enxugou minhas lágrimas.

''Hyojong é uma criança, exemplar, ele é uma criança exemplar'' Uma semana depois foi nas mãos dele a primeira vez que todos nós vimos uma flor, pequena, indefesa e branca...

Shinwon comeu ela e fez o Hyojong chorar pelos próximos três dias.

Ainda esperamos uma árvore nascer na barriga do Shinwon.

Às vezes eu ficava triste com uma coisa. Me ensinaram sempre tirar a vida das pessoas e as manipular, porque só o Hyojong podia devolver tudo isso?

Foi o garoto da flor quem se curvou sobre Shinwon e sua poça de sangue e o ajudou a levantar para enxugar minhas lágrimas.

[ . . . ]

O gorilazinho de brinquedo batia seus pratos alegremente sobre os pés da detetive Lee, que estava segurando uma caixa de sapato nas mãos, de uma marca antiga, a caixa parecia mais envelhecida ainda, naquele beco estranhamente limpo demais e cheirando produto químico.

- Aqui está você!

Seu subordinado apareceu na entrada do beco sem fôlego, parecia ter corrido uma maratona, Ela se abaixou na frente do gorila o olhando fixamente.

- Me disseram que estava na região, pensei que tinha vindo dar apoio ao caso do shopping, veio averiguar os sons de tiros? - Seu subordinado olhou envolta com uma expressão enojada e cobriu o nariz. Percebeu o gorila. - O que é isso aí?

Lee o olhou sobre os ombros com as sobrancelhas franzidas e se levantou com sua caixa na mão, a segurando firmemente como se tivesse algo importante ali dentro.

- Shopping? Tiros?

- Sim, uns baderneiros fizeram A bagunça no shopping ontem, testemunhas disseram ter visto fogo mas sem sinal nenhum de chamas. E... estranhamente todo monitoramento de câmera do bairro simplesmente bifou. Pensei que estava aqui por... - O subordinado a olhou de cima a baixo percebendo que ao menos a mulher usava suas roupas de expediente, mas o que parece ter o surpreendido foi a caixa. - Ah! Não está em horário de serviço!

- Você acha que foram os Gorilas?

- Senhora, a senhora tem que descansar, deixe isso pra quem está de plantão e deixamos toda informação sobre o caso na sua mesa, aliás, meus pesa-

Lee entregou a caixa pro homem a batendo contra o peito do coitado o silenciando no mesmo momento e amarrou o cabelo.

- Estou de plantão agora. - Pegou a prancheta do agente e passou por ele batendo ombro com ombro e indo procurar a cena do crime. - Onde estão as testemunhas?

O homem a seguiu com o olhar e logo olhou de volta para a caixa. O que ele faria com aquilo?

[ . . . ]

Ladrões, assassinos, estupradores, chantagistas...

Qual a legitimidade da vida de pessoas assim?

[ . . . ]

Sentada acima do prédio ao lado do beco onde o gorilazinho foi encontrado uma garota de rosto fofo, estatura pequena e traços tailandeses espreitava as ações rudes da detetive teimosa, que vista lá de cima, parecia uma formiguinha irritada por ter encontrado um dos membros do BTOB vasculhando nas coisas do caso.

[ . . . ]

E a das pessoas que fugiram do seu dever?

Qual a legitimidade da vida de pessoas assim?

GORILLA - PentagonOnde histórias criam vida. Descubra agora