Prólogo: A Fúria Celestial

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<<Editado e revisado>>


Agosto de 2000

Eu a segurava em meus braços. Sua pequena mão envolvia meu dedo indicador com força. Eu queria mantê-la segura, e sabia que teria que sacrificar tudo para fazê-lo. Nada no mundo importava mais àquela altura.

Pelas frestas do armário de madeira em que eu me escondia, o vi com o punhal nas mãos, dando passos lentos, fazendo o chão de madeira ranger. Ele passava os olhos por todo o cômodo, como um caçador na floresta silenciosa, em busca de sua presa. 

Tento conter minha respiração ofegante, temendo soltar um ruído sequer. Não por mim, mas por ela. O suor escorria por minha testa, e eu engulo em seco, imóvel. Meu coração golpeia meu peito em um ritmo acelerado, como a trilha sonora do meu medo.

E então, sem aviso prévio, ela começa a chorar, em um som alto e agudo. O

Os olhos dele encontram o armário, e em seus lábios se esboça um sorriso satisfeito. Pressiono o pequeno corpo dela contra o meu, a prendendo em meu abraço. Eu sabia que, ali, seria o fim.

Foi quando Charles o apunhala pelas costas, fazendo-o grunhir com a dor, e indo ao chão com um baque. Saio do esconderijo, sem acreditar em tamanho milagre. 

- Vocês dois estão bem? - Pergunta, colocando a mão sobre a cabeça de Eva, que parava de chorar lentamente. - Precisamos sair daqui, não podemos enfrentá-los sozinhos. Onde está Satrina? - Ele olha em volta.

Abaixo os olhos. Ela não havia resistido ao parto. Charles franze o cenho, desolado, ao ler minha expressão.

- Precisamos ao menos nos salvar, Joshua. - Ele retira o punhal do corpo inerte aos nossos pés, devolvendo-o ao coldre, preso em sua cintura. - Aqueles bastardos não sairão impunes. 

- Não irão, pai, mas precisamos ir. Não temos mais tempo.

O caos alastrava-se por todo o reino. Chamas e gritos vinham de todas as direções, cercando-nos no núcleo da tragédia.

- Vocês vão na frente, eu preciso ir atrás de uma coisa. 

- Não vou sair daqui sem você. - Elevo a voz devido ao barulho.

- E eu não vou sair daqui sem levar o que eles querem. Entregar o jogo agora não está nos meus planos. Vá, me encontre na Fronteira. Estou bem atrás de você.

Assinto, relutante, mas sigo em frente, correndo. Casas desmoronavam pelo caminho, guardas derrubavam inocentes e familiares choravam sobre os corpos de seus entes queridos. Anjos e demônios travavam uma sangrenta batalha pelos céus em chamas. Eva olhava para tudo, curiosa, mas ainda com medo.

Chego em meu destino, mais ofegante do que nunca. A fumaça já havia coberto o reino, como um manto negro e mórbido. Olho para os lados, com o coração apertado, tossindo, até que meu pai surge na névoa, cambaleando.

- Não há mais tempo. - Ele me entrega a pedra e sua espada ensanguentada. -  Leve isto e vão, agora.

Meus olhos encontram o ferimento em seu peito, o sangue escorrendo por sua roupa.

- Venha conosco, você não precisa se sacrificar assim. Eu já perdi Satrina, não quero perder você. - Sinto meus olhos marejarem, mas não me rendo. 

Ele me encara, derrotado. Mas pude ver o sacrifício por trás de seu olhar, e naquele momento, eu soube que nada o faria mudar de ideia.

Um estrondoso som de trovão desce dos céus furiosos, trazendo uma forte ventania.

- É a minha escolha, filho. Faça a sua.

Olho para a lâmina da espada em minha mão. Então olho para ele.

- Você feriu a si mesmo, não foi?

Ele abre um sorriso.

- Ninguém saberá onde vocês dois estão. - Ele beija o topo da cabeça de Eva, que estica os pequenos braços, tentando alcançar o rosto dele. - Este segredo morrerá comigo. 

Avisto centenas de guerreiros se aproximando rapidamente, correndo colina acima. As grandes asas abertas, arcos e espadas em posição de ataque, vindo em nossa direção.

- Vão, agora! - Exclama.

Obedeço, sem acreditar no que estava deixando para trás.

Abro as asas e voo em direção aos céus, tentando não ser atingido pelas flechas que lançavam, até que uma delas atinge minha perna. 

Ignoro a dor, e atravesso a Fronteira, me afastando de tudo. Toda a guerra, fogo, sangue e meu pai estavam lá, para sempre.

E eu não perderia minha filha para nenhum deles. É uma promessa.


As Peças Celestiais: Ascensão (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora