Capítulo 6: Feridas Abertas

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Sally

Existem muitas barreiras entre a menina gordinha e as pessoas fora desta realidade. Risos ecoavam em minha mente enquanto eu vomitava a anos atrás, tentando atingir a perfeição do corpo magro, que quase me matou.

Sendo uma Ninfa, eu tinha um padrão a ser seguido. Bela, sempre impecável, como minha mãe, Hagatha, havia sido em seus anos joviais. A mesma jamais cobrou que eu fosse, o que era um alívio em meio a toda pressão que eu sofria.

Em Alderland, onde os anjos habitavam e ordenavam, eu era apenas mais uma escrava, assim como as bruxas, fadas, elfos, gnomos e qualquer um que não atingisse a altura e celestialidade deles, dedicando nossos dias a trabalhar para eles em troca de nosso pequeno pedaço de reino, como uma espécie de feudo. Eu não aguentava ver minha mãe e minha irmã trabalhando tanto por outras pessoas, mas, o que eu poderia fazer?

Então, houve um dia, em que eu achei que havia encontrado um abrigo em meio à tempestade, uma chama no vale gelado.

Benjamin. O único que me amou por quem eu era, sem nunca me criticar, julgar com disfarce de opinião ou me dizer para emagrecer. Ele amava o pequeno espacinho entre meus dentes, minhas covinhas, minha risada alta. Mas acima de tudo, meus cabelos.

Ele sempre dizia que eram como uma cachoeira negra. Diversas vezes, eu acordava com seus carinhos passando os dedos pelos fios.

Até que tudo passou a desandar cada vez mais.

O ciúme o cegou, e eu me sentia em um julgamento, onde qualquer coisa que eu dissesse que não condizia com as dele, seria usado contra mim, todas as vezes. Ele se tornou alguém que eu não conhecia, uma face oculta no escuro, um lado sombrio.

Mas o que eu faria, se o amava tanto, se havia me apaixonado pelos olhos negros e cabelo mel, pelo sorriso largo e voz suave? Afinal, ele sempre me dizia que eu jamais encontraria alguém como ele, e eu tinha absoluta certeza de que era verdade. Seu conforto em me fazer entender que tudo ficaria bem comigo e minha família, mesmo que minha mãe passasse a odiá-lo. Então minha vida era apenas o trabalho e dedicar-me a ele.

E, um dia, todos os limites foram ultrapassados.

Após uma discussão que abalou meus nervos, ele saiu de casa com um ódio nos olhos que eu jamais havia visto. Tudo por eu ter passado o dia com minha irmã ao invés dele. Era quando eu realmente podia me sentir liberada daquele cativeiro.

Eu queria que aquilo acabasse, mas não tinha coragem de tomar qualquer atitude. Me sentia fraca e incapaz, encurralada em meus pensamentos, que sempre me puxavam para baixo como uma âncora, mais forte do que a gravidade. E após muitas lágrimas, eu estava decidida a terminar com ele no dia seguinte.

Adormeci, tentando recuperar as forças para o que eu enfrentaria.

Então ouço alguns ruídos próximos ao meu ouvido, como algo sendo rasgado ou cortado. Demoraram-se alguns instantes para que eu notasse o que estava acontecendo.

Acordo, desnorteada, e avisto Benjamin com uma tesoura na mão e um sorriso nos lábios.

Passo a mão pela minha cabeça, é só quando noto meu cabelo espalhado pelos lençóis. Longos fios negros caídos pela cama, e fazem meu coração disparar.

Grito com ele e sinto as lágrimas nos meus olhos, mas não de tristeza, e sim de ódio, asco. Ele me lança palavras que eu não entendia. Tudo o que ouço são os ecos de tudo o que ele havia me dito durante todo aquele tempo, todas as vezes em que eu duvidei de mim mesma. Eu me aproximo, crescendo para cima dele, como nunca tive a coragem.

As Peças Celestiais: Ascensão (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora